2024-10-25 HaiPress
Homem fuma na varanda de um apartamento em Lisboa — Foto: Odd Andersen/AFP
GERADO EM: 25/10/2024 - 03:30
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Diz a lenda que ninguém volta o mesmo depois de uma viagem. Então devo ter mudado muito: minha vida foi feita de viagens,era a grande fascinação de minha juventude. (Uma das principais razões para escolher o jornalismo foi porque viajavam muito,invejava os correspondentes internacionais.) Depois de cada viagem,ou de cada temporada no exterior,ou de muitos anos fora,mudei muito,fui sendo mudado pelas cidades e pelas culturas,nem sempre com prazer,lidando com perrengues,com o desprezo por estrangeiros,a sensação agridoce de ser imigrante temporário nos Estados Unidos,na Itália e em Portugal. Então sou o resultado,para o bem e para o mal,desse acúmulo de experiências vivendo meu sonho de juventude. É como várias camadas de uma lasanha,em que cada fatia traz um pouco de todos os recheios.
Comecei aos 19 anos,graças à generosidade de meus pais e do seu desejo de nos dar uma boa educação,com uma viagem “cultural” pela Europa com exaustivas visitas guiadas a museus e monumentos e lugares históricos. Valeu por dois anos de escola.
Era a primeira vez que saía do Brasil,e pousava na bela e melancólica Lisboa salazarista de 1963. Pessoas tristes e amedrontadas pelas ruas,parecia que não havia jovens na cidade encantadora,tão parecida com Salvador,o Rio antigo,Recife,e tão diferente. Foi amor à primeira vista. Depois voltei muitas vezes,uma na semana seguinte à Revolução dos Cravos. Naquela ocasião vi uma cidade em festa,com as ruas cheias,em que todos comemoravam a liberdade depois de 40 anos de ditadura,enquanto no Brasil ainda padecíamos com a nossa. Choque cultural.
Lisboa passou a ser minha rota preferencial para respirar liberdade e segurança,o gosto de andar pelas ruas a qualquer hora sem olhar para os lados e falar tudo que pensa em voz alta. Não por acaso me mudei para Lisboa em 2022 fugindo do insuportável Brasil de Bolsonaro e da ameaça de sua reeleição,que me levaria a fixar residência. Mas a ameaça não se concretizou e voltei ao Brasil depois de um ano de prazeres,desgostos e aprendizado em Portugal,que vivia um bom momento econômico e político.
Também fugindo do Brasil,nos estertores dos anos Collor,fui me exilar em Nova York,com três filhas e a expectativa de recomeçar a vida aos 48 anos. Acabei ficando oito anos dourados da Era Clinton,com democracia plena,economia bombando,os EUA como centro das novidades tecnológicas e culturais. Voltei ao Brasil um ano antes do 11 de Setembro. Nova York não seria mais a mesma,nem eu. Lá aprendi a trabalhar,com método e disciplina.
Meu segundo lar é Salvador,onde sempre,em todas as incontáveis visitas,fui muito feliz e,pasmem,produtivo . Lá escrevi vários livros,trabalhei bastante,desfrutei das praias e do clima amistoso e sensual da cidade,conheci Mãe Menininha e o terreiro do Gantois,que nunca saíram de minha vida. Eu já amava a Bahia antes de conhecê-la,pelos livros de Jorge Amado e a música de Caymmi e João Gilberto. Nunca voltei o mesmo de lá.