2024-09-19 HaiPress
Combatentes do Hezbollah durante funeral de pessoas mortas pelas explosões de pagers,atribuídas a Israel,no Líbano — Foto: ANWAR AMRO / AFP
GERADO EM: 19/09/2024 - 04:30
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O Hezbollah não manda em todo o Líbano,mas exerce poder de um Estado paralelo nas áreas que controla. Tem capacidade de provocar uma guerra independentemente de um aval do governo em Beirute. Embora integre coalizões políticas,não exerce a administração nacional do país. Tampouco impõe seus valores a outras correntes sectárias libanesas. É essa organização,e não o Estado libanês,que está em conflito contra Israel. Não há forças militares libanesas lutando contra israelenses e vice-versa.
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A ação remotamente atribuída a Israel ao longo da terça e de ontem que atingiu milhares de pessoas teve como alvo membros do Hezbollah,e não libaneses aleatoriamente. Sim,os integrantes do grupo são cidadãos do Líbano. Mas,neste momento,seguem a agenda de uma organização que atua à revelia dos interesses do Estado libanês e em aliança com o Irã — o governo em Beirute naturalmente condena a operação israelense,que viola a soberania libanesa.
A imensa maioria das explosões de pagers ocorreu em área de maioria xiita controladas pelo Hezbollah. Houve alguns ataques em regiões de maioria sunita,onde estariam integrantes do grupo por motivos diferentes. Quase não há registros de explosões em áreas majoritariamente cristãs libanesas,onde a vida seguia normalmente.
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Aliás,ao longo do quase um ano de conflito,tanto Israel como o Hezbollah buscam poupar vilas cristãs no sul do Líbano,enquanto as xiitas foram praticamente tão dizimadas por Israel quanto Gaza. O número de vítimas só não é mais elevado porque,diferentemente dos palestinos,os habitantes dessas áreas se realocaram em outras regiões libanesas distantes da fronteira e mais seguras.
Coluna de fumaça é vista nos arredores da vila de Kfarshuba,no sul do Líbano,após bombardeio israelense — Foto: Rabih DAHER / AFP
As áreas de maioria xiita do Líbano englobam o sul do país,os subúrbios do sul de Beirute e Baalbek. Nessas regiões,a presença do Hezbollah é latente,com bandeiras amarelas do grupo,posters do que eles chamam de mártires e de lideranças como Hassan Nasrallah. Há até um museu do grupo próximo a Nabatieh,onde eles celebram o que descrevem como vitórias contra Israel. Seriam esses os territórios controlados pelo Hezbollah.
Amigos libaneses de Beirute sempre me questionavam sobre o que eu faria no sul do Líbano quando viajava à região como jornalista ou mesmo turista. Embora geograficamente próxima,muitos libaneses evitam a região,que foi ocupada ilegalmente por Israel por duas décadas até o ano 2000,quando as tropas do país saíram após fracassarem na luta,junto com uma milícia cristã (e alguns xiitas),contra o Hezbollah.
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Dentro das instituições formais libanesas,o Hezbollah exerce influência grande por meio de aliados,embora no passado tenha sido da oposição quando seus adversários governavam o país,como o premier Saad Hariri (o pai dele foi morto em atentado atribuído ao grupo xiita aliado do Irã). A organização oficialmente aceita a divisão sectária do Líbano,com os cristãos ocupando os cargos de presidente da República (vago há dois anos),comandante das Forças Armadas,metade do Parlamento e metade do Gabinete — há partidos cristãos aliados do Hezbollah,embora outros se oponham ao grupo.
O Hezbollah também aceita que a identidade libanesa tenha forte influência cristã,como o fim de semana caindo no sábado e no domingo (e não na sexta,como seria o costume islâmico),celebração do Natal e outras datas cristãs. O que a organização não tolera é que intervenham nas áreas controladas pelo grupo e na sua agenda pró-Irã e anti-Israel,ainda que isso não seja do interesse da maioria dos libaneses.