2024-09-05 HaiPress
X,ex-Twitter — Foto: Gabby Jones / Bloomberg
GERADO EM: 05/09/2024 - 04:31
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
LEIA AQUI
Na sexta passada,quando o X estava na iminência de sair do ar,passei o dia pilhada,acompanhando as notícias e as redes sociais,ouvindo comentários,lendo furiosamente. À noite,chamei um Uber para ir jantar na Laura. Ele chegou,eu entrei,dei boa noite e comecei a conversa:
— Menino,e esse negócio do Twitter,hein?
— Não estou acompanhando não,senhora.
Joaquim Ferreira dos Santos: Ai de ti,Ipanema,130 anosRuth de Aquino: Estrela da Flip é uma Annie Ernaux de calças
Foi o choque de realidade que eu precisava. A minha bolha estressada e monotemática não passava disso,de uma bolha. O diálogo ativou o meu fio terra. Para uma vasta maioria da população,o X não quer dizer nada. Se fosse o WhatsApp,com 165 milhões de usuários no país,o mundo viria abaixo.
A questão central,contudo,não era o número de usuários,e sim o que estava prestes a acontecer — uma rede social seria tirada do ar pelo que poderia ser lido,em última instância,como um embate de egos.
Nada,porém,é tão simples nessa história.
Elon Musk não comprou o Twitter para fazer dinheiro,comprou o Twitter para fazer política,para ter um peso atômico que,apenas como bilionário,jamais teria. Chefes de Estado e autoridades que antes ignorariam o industrial excêntrico agora se veem obrigados a interagir com o dono do X,dada a influência política que ele passou a exercer.
Deu errado para a plataforma,mas muito certo para ele.
A própria mudança de nome,aparentemente injustificada,tem toda uma carga psicológica e emocional embutida. Saem os pios e o amável passarinho azul,entra uma letra agressiva que pode ser interpretada como duas espadas cruzadas,as clássicas tíbias sob o crânio,o fim: X. Tudo é símbolo.
Ana Paula Lisboa: Uma nova Abolição
A rede,que já era tóxica,desandou de vez. Musk restaurou contas que estavam banidas e reduziu drasticamente a equipe de moderação de conteúdo. Ele tem uma agenda política perigosa. Apoia Trump e o entrevistou ao vivo. Já propôs que a Ucrânia ceda território à Rússia,e é uma seda com a China,um dos maiores mercados da Tesla,a sua marca de carros elétricos. Se há ou não há liberdade de expressão no país ele não sabe,nem quer saber: vai ver que é pelo fato de o X (assim como outras redes sociais ocidentais) ser bloqueado por lá.
Tudo isso é seu direito como pessoa física,mas a coisa se complica quando a agenda é transferida para a pessoa jurídica. Um espaço público como o X tem que ser agnóstico,e tem que ter um mínimo de responsabilidade social.
O ministro Alexandre de Moraes não tinha alternativa diante do comportamento moleque de Musk,assim como a Primeira Turma do STF não tinha opção senão apoiá-lo. Quando um ministro do STF intima uma empresa estrangeira,ele não é fulano ou beltrano — ele é o Brasil.
O ministro,no entanto,não deveria ter envolvido a Starlink no imbróglio,e extrapolou ao ameaçar multar usuários que utilizarem VPN para acessar o X. Os usuários não são parte do processo,não têm nada a ver com o peixe.
A única coisa positiva de toda essa confusão foi chamar a atenção para o Bluesky,uma rede por enquanto muito mais saudável do que o X.
No mais,é impressionante como estamos despreparados (coletivamente; como sociedade) para lidar com um universo que ainda não deciframos e que estamos longe de legalizar.