2025-03-15
IDOPRESS
Senadores e deputados aprovaram novas regras sobre emendas parlamentares — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo/13/03/2025
É um acinte a insistência do Congresso em negar aos brasileiros o direito constitucional de rastrear o gasto público. Em sessão conjunta na quinta-feira,ela ganhou um novo e triste capítulo. Senadores e deputados — num arco que foi do PL ao PT — aprovaram regras sobre emendas parlamentares que contrariam a Constituição,contrariam decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e contrariam o acordo que os recém-empossados presidentes da Câmara e do Senado haviam firmado com o STF. O texto cria uma brecha para que os padrinhos das verbas continuem incógnitos nas emendas de comissão e de bancada. Se todos os partidos presentes no Congresso,com exceção dos nanicos Novo e PSOL,são contra a transparência,não restará outra alternativa ao Judiciário senão determinar novos bloqueios das verbas. O vaivém se arrasta desde 2022 — e precisa ter fim.
Sem transparência: Congresso altera regras para emendas,mas texto abre brechas para omissão da autoria de indicações
A reação à resolução foi imediata. As ONGs Transparência Brasil,Transparência Internacional e Contas Abertas emitiram nota afirmando que a decisão do Parlamento criou “mais uma versão do orçamento secreto”,em clara “afronta aos princípios constitucionais da publicidade e da moralidade que orientam o processo orçamentário e às determinações do STF”. A nota ressalta que a autoria das emendas coletivas — de comissão e bancada — continuará oculta “sob a assinatura de apenas uma pessoa”,o líder partidário ou o coordenador da bancada de cada estado. Para o Instituto Não Aceito Corrupção,a norma perpetua a “distorção decorrente da possibilidade de autores de projetos de emendas se esconderem atrás das figuras de líderes partidários e de bancadas,blindando-os do escrutínio”.
As regras atuais sobre as emendas surgiram depois do escândalo de corrupção conhecido como “Anões do Orçamento” nos anos 1990. Na concepção original,as emendas individuais serviriam para atender às demandas locais; as de bancada,às necessidades estaduais; e as de comissão,às prioridades nacionais. Com o tempo,tudo foi desvirtuado,e a fatia do Orçamento destinada às emendas explodiu,alcançando um patamar inédito no mundo democrático. Para completar,a cultura de esconder o nome dos parlamentares responsáveis por indicar as verbas foi mantida nas emendas de bancada e de comissão.
Repasses: Congresso ignorou STF ao dar aval a proposta que mantém escondidos os padrinhos de emenda; entenda
No mês passado,o ministro do STF Flávio Dino homologou um plano de trabalho apresentado em conjunto por Legislativo e Executivo para adequar as emendas às exigências da lei. O plenário da Corte referendou a decisão. No Congresso,parte das demandas foi atendida: haverá padronização de atas e planilhas das reuniões de comissão e bancada; códigos e informações relevantes sobre os montantes também serão registrados; haverá critérios comuns para divulgação. Todas essas mudanças podem ser descritas como avanços. Mas o principal ficou de fora.
Sem transparência,fica mais difícil o trabalho de fiscalizar desvios e irregularidades. Investigações já revelaram episódios insólitos: asfalto recém-inaugurado derretendo com o calor do sol,sacos de dinheiro arremessados pela janela e outras anomalias. No Brasil,mesmo quando tudo é rastreado,ainda há espaço para corrupção. Que dizer das operações mantidas nas sombras de propósito? A resistência do Congresso a deixar tudo às claras precisa acabar. Por questão de lógica,de moralidade e,também,simplesmente porque é o que manda a Constituição.