2025-01-22 IDOPRESS
Donald Trump decorou Salão Oval com fotos da família (ao fundo,na imagem) — Foto: Jim WATSON / POOL / AFP
GERADO EM: 21/01/2025 - 22:43
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Com golpes de caneta,o presidente Donald Trump sacramentou que os EUA estão oficialmente de costas para a saúde,tanto a do planeta quanto a das pessoas que o habitam. No caso da saída do Acordo de Paris (pacto contra o aquecimento global),os EUA nada farão para resolver uma crise climática que eles mesmos ajudaram a criar,sendo os maiores emissores históricos de gases-estufa. Já ao deixar a Organização Mundial da Saúde (OMS),abriram mão da liderança que tinham na saúde desde a Segunda Guerra. A OMS perdeu seu maior financiador. E os americanos se juntaram a Liechtenstein como os únicos membros da ONU fora da OMS.
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As medidas,assim como as crises do clima e da saúde,têm impacto global e conectado. E efeitos práticos muito maiores que um ataque ao multilateralismo,pelo qual Trump tem aversão. Embora pelas regras das Nações Unidas leve um ano para que a saída do EUA entre em vigor,seus efeitos serão sentidos antes porque o fluxo de recursos deverá ser interrompido,no caso da OMS. E as emissões americanas deverão aumentar,no que diz respeito ao clima.
Membros desde 1948,os EUA são os maiores contribuintes e respondem por 22% do orçamento da OMS. Historicamente,são US$ 110 milhões de pagamentos anuais que se somam a cerca de outros US$ 400 milhões em doações voluntárias.
Mas na pandemia e nas crises que a sucederam,os recursos americanos aumentaram. Em 2022 e 2023,os EUA passaram à OMS US$ 1,28 bilhão,quase 40% a mais que o segundo contribuinte,a Alemanha. Em 2024,o valor,que ainda não está fechado,já chega a US$ 958 milhões,sendo US$ 697 milhões de doações voluntárias. O dinheiro foi destinado,por exemplo,à assistência em áreas de conflito,como os territórios palestinos,o Líbano,a Síria e o Afeganistão.
Top contribuintes da OMS — Foto: Arte/O Globo
O infectologista Julio Croda,pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul,frisa que os americanos foram essenciais para erradicar a varíola,combater pólio,Aids e malária. E continuam a ser fundamentais nas emergências. Países pobres de África e Ásia dependem da OMS para ter acesso a tratamentos e prevenção de Aids e outras doenças. Já países como o Brasil não dependem de recursos,mas são parceiros de pesquisa.
— O Brasil tem o SUS e não depende nem dos EUA nem da OMS. Mas países pobres ficarão desassistidos. Há imensa preocupação com a doenças infecciosas — enfatiza Croda.
Como a Covid-19 mostrou,os EUA não são imunes a pandemias,mas Trump não demonstra preocupação,a despeito de neste momento o país ver a gripe aviária H5N1 se espalhar pelo rebanho bovino.
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A rede mundial de vigilância de várias doenças,incluindo influenza,depende da participação de centros americanos,como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC),destaca a virologista Clarissa Damaso,da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
E,sem os EUA,a OMS terá mais dificuldade para conter emergências internacionais,como a de mpox em países africanos,diz Damaso. Também é a OMS que está à frente do combate de surtos,como o que ocorre neste momento na Tanzânia,com casos de febre hemorrágica Marburg.
Além do impacto financeiro,a saída dos EUA também cortaria os laços entre a OMS e instituições americanas,como o CDC e a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA). Essas agências fornecem orientação essencial à OMS e,em troca,recebem informações cruciais para a segurança global. Vale lembrar que EUA e Rússia detêm os últimos estoques do vírus varíola,causador da única doença já erradicada e considerado uma arma biológica em potencial.
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Os EUA têm 72 centros de colaboração da OMS,mais do que qualquer outro país. A especialista em saúde global Ilona Kickbusch,do Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento,em Genebra,disse à Science que,embora outros países possam tentar suprir o rombo deixado pelos EUA,devido a crises econômicas,é pouco provável que isso ocorra.
Especialistas consideram a China o país com maior chance de assumir a liderança na saúde global,assim como a da agenda climática. Se era conter a expansão da influência mundial da China que Trump quer,é exatamente o oposto ele conseguirá,diz Jeremy Konyndyk,presidente da Refugees International.
A saída da OMS deve afetar o vínculo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Mas não foi esclarecido se significaria o desligamento automático dos EUA.
O Congresso poderia bloquear a ordem de Trump,mas é improvável que isso ocorra. E o fluxo de recursos pode ser suspenso já. No primeiro mandato,Trump havia tentado sair da OMS e deixar o Acordo de Paris,mas como as medidas ocorreram no fim de seu governo,Joe Biden as suspendeu logo após assumir a Presidência.
Desta vez,Trump agiu no primeiro dia. Revogou medidas ambientais de Biden e acrescentou uma “emergência energética” para estimular a produção de combustíveis fósseis. Isso significa que o país não terá metas de redução de emissões,como prevê o Acordo de Paris,e deverá aumentar as atuais. Os EUA estão em segundo lugar no ranking mundial de emissões de CO²,atrás apenas da China,que superou os americanos em 2006.
Desde 2017 o clima e a saúde mudaram e para pior. Houve a pandemia de Covid-19 em 2020. A Terra passou a sofrer extremos climáticos sem precedentes e bateu recordes de calor consecutivos. Furacões se tornaram mais destrutivos,chuvas,mais intensas,e secas,mais fortes e prolongadas.
— Trump abriu caminho para o aumento global de emissões,num momento em que os países deveriam estar unidos para reduzi-las. Ao liberar as empresas americanas de petróleo e carvão,os EUA estimularão empresas de outros países a pressionarem seus governos a fazerem o mesmo — salienta o climatologista Carlos Nobre,do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).
Editorial: Trump fará mal ao planeta
Ele acrescenta que,com o previsível aumento de emissões dos EUA,os esforços dos demais países podem não ser suficientes.
— O planeta esquenta depressa,e o segundo maior emissor segue na direção contrária. É muito grave. Não existe adaptação ao calor extremo — sublinha Nobre.
O físico Paulo Artaxo,professor titular da USP e membro do IPCC,também teme um efeito dominó no aumento das emissões de gases-estufa de países e empresas.
— As decisões de Trump causarão sofrimento para bilhões de pessoas,sobretudo nos trópicos,em países como o Brasil. Qualquer grau a mais em Cuiabá ou Palmas significa muito mais do que a mesma elevação em Washington — afirma Artaxo.
Ele alerta que um aumento das emissões puxado pelos americanos poderá elevar a temperatura média da Terra a patamares que tornarão a vida em alguns lugares inabitável.
— Assinar essas ordens executivas foi o mesmo que dizer “danem-se o planeta e as pessoas”. Mas Trump não está sozinho,cumpriu o que prometeu. E suas medidas impactarão a vida de todos e terão consequências para as gerações futuras — ressalta Artaxo.