2025-01-22 HaiPress
Donald Trump e Giorgia Meloni se encontram em mansão do presidente em Mar-a-Lago,Flórida — Foto: Filippo ATTILI / Palazzo Chigi / AFP
GERADO EM: 21/01/2025 - 20:24
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Uma “mulher fantástica” e que “realmente conquistou a Europa”. Assim Donald Trump,então ainda presidente eleito dos Estados Unidos,descreveu a primeira-ministra italiana,após um encontro em sua mansão em Mar-a-Lago,Flórida,na primeira semana do ano. Sob a promessa de um relacionamento “muito sólido” e “privilegiado” — nas palavras da própria Meloni após a reunião — essa aproximação tem o potencial de moldar o diálogo entre os EUA e a União Europeia (UE) no segundo mandato de Trump,dando à italiana a chance de se posicionar cada vez mais como uma líder influente no bloco,sobretudo em um momento em que os governos das duas maiores potências europeias,Alemanha e França,ainda estão enfraquecidos por crises internas.
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Presente na posse de Trump na segunda-feira — ela foi uma das primeiras convidadas a serem anunciadas —,Meloni já tem mostrado um compromisso claro de atuar como uma ponte da nova administração americana nos assuntos que envolvam a Europa.
Na semana retrasada,saiu em defesa do republicano por seus recentes comentários polêmicos sobre a anexação de territórios — como a Groenlândia,que pertence à Dinamarca,país da UE e aliado dos EUA na Otan — dizendo que se tratava apenas de uma “mensagem contundente para outros grandes players globais,em vez de uma ação hostil”.
Mesmo que Meloni também tenha mantido boas relações com o agora ex-presidente americano Joe Biden desde que se tornou premier em 2022,a maior aproximação com Trump era mais do que previsível. Os dois compartilham de uma clara sintonia política e ideológica,sobretudo na questão da imigração irregular — tema sensível tanto na Europa como nos EUA e pauta central nas agendas de ambos,com propostas mais radicais para intervenção e controle de fronteiras.
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Apesar disso,eles só se conheceram pessoalmente em dezembro,em Paris,para a reabertura da Catedral de Notre Dame,quando consolidaram a aliança. Na ocasião,o republicano rasgou elogios à italiana: “Ela é um verdadeiro fio desencapado”,derramou-se,acrescentando que “ela é uma ótima líder”. Meloni,por sua vez,postou no X uma foto ao lado de Trump,ambos cheios de sorrisos e com polegares erguidos. A imagem também foi utilizada em uma montagem por seu próprio partido,o Irmãos da Itália (Fratelli d'Italia,FdI),com os dizeres: “O eixo EUA-UE passa pela Itália”.
Para o professor de Política e codiretor do Centro para a Grã-Bretanha e Europa da Universidade de Surrey,Daniele Albertazzi,trata-se de uma relação pragmática e mutuamente vantajosa para ambos a princípio,mas que também pode desandar muito rapidamente.
Um ponto de conflito seria a proposta de Trump de impor tarifas sobre exportações para os EUA,algo que pode impactar negativamente a economia da UE. Meloni já criticou a proposta abertamente,embora tenha adotado um tom apaziguador até agora,sugerindo conversas entre parceiros da UE e os EUA para encontrar soluções.
— Meloni terá de fazer escolhas. Por enquanto,ela evita falar sobre assuntos que prefere ignorar,como as ameaças de Trump contra a Groenlândia. Mas ela não poderá ignorar as tarifas por muito tempo — disse Albertazzi ao GLOBO. — Você pode atuar como ponte quando há disposição para compromissos,mas se Trump seguir em frente com suas promessas,Meloni pode acabar em uma posição difícil.
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Outra divergência notória é a guerra na Ucrânia. Meloni tem mantido uma posição firme de apoio a Kiev contra a Rússia de Vladimir Putin,reiterando o compromisso da Itália com os valores ocidentais e a defesa da soberania ucraniana,em um claro alinhamento com seus parceiros da UE e da Otan (liderada por Washington).
Trump,critica a abordagem da Aliança Atlântica no conflito,afirmando que os EUA carregam um fardo desproporcional em seu financiamento e exigindo que os aliados europeus aumentem seus investimentos em Defesa. Durante a campanha pela Casa Branca,ele frequentemente afirmou que poderia encerrar o conflito em apenas um dia,levantando dúvidas sobre a continuidade de Washington como o principal apoiador militar de Kiev.
Mas,até o momento,Meloni descartou a ideia de que Trump deixaria de apoiar a Ucrânia ou a forçaria a aceitar termos desfavoráveis para encerrar a guerra. A premier italiana afirmou não esperar um afastamento dos EUA e destacou que Moscou só negociaria sob pressão.
— Trump tem a capacidade de equilibrar diplomacia e dissuasão,e prevejo que esse será o caso desta vez também — disse em uma entrevista coletiva.
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Para Leila Talani,diretora do Centro de Política Italiana do King’s College,em Londres,essa relação entre Trump e Meloni também é ditada pelo contexto atual na Europa: a Alemanha atravessa uma crise política desde novembro de 2024,quando a coalizão governamental liderada pelo chanceler Olaf Scholz se desintegrou,o que levou à convocação de eleições gerais antecipadas para fevereiro. E a França de Emmanuel Macron também passa por uma crise política interna,desencadeada em junho com a derrota acachapante do governo após o presidente antecipar inesperadamente as eleições legislativas de 2027.
— Basicamente,ela é a única que resta para Trump no momento — disse Talani ao GLOBO. — Não acho mesmo que seja uma amizade verdadeira,mas,obviamente,para Trump é bom ter alguém com quem conversar e que faça tudo o que ele diz.
Há também o fator Elon Musk. Aliado-chave de Trump,ajudando-o a elegê-lo,o bilionário da tecnologia é muito próximo de Meloni. Em setembro de 2024,o CEO da Tesla entregou à premier o prêmio de Cidadania Global,em Nova York,numa cerimônia em que ambos trocaram elogios públicos: ele “brilhante” e ela,“ainda mais bonita por dentro do que por fora”. A aproximação chamou tanta atenção que circularam rumores sobre um suposto envolvimento romântico entre os dois,os quais foram prontamente negados.
O problema é que,recentemente,o magnata da tecnologia tem utilizado sua plataforma X para fazer ataques diretos a líderes europeus,como o primeiro-ministro britânico,Keir Starmer,e o chanceler Scholz. Também expressou apoio ao partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD),a poucas semanas das eleições alemãs,levantando questões sobre sua insistente interferência na política europeia.
Musk e a primeira-ministra Giorgia Meloni,da Itália — Foto: Graham Dickie/The New York Times
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Tão ou mais volátil que Trump,Musk poderia representar um obstáculo para Meloni em manter seu papel como elo de ligação entre os EUA e a Europa. Mas,apesar das polêmicas,a primeira-ministra defendeu o direito de Musk de “expressar suas opiniões”.
— Não vejo esse perigo para a democracia. Elon Musk é uma pessoa muito conhecida e rica que expressa suas ideias — disse Meloni na mesma entrevista coletiva em que defendeu Trump. — O problema é que [Musk] é rico e influente,ou que ele não é de esquerda?
No contexto doméstico,ainda é cedo para dizer qual seria o real ganho de Meloni com Trump no poder,apontam especialistas. Para o professor de Política George Newth,da Universidade de Bath,o mais importante é observar a política europeia para entender a crescente influência da italiana no bloco.
Distanciada do rótulo fascista de sua campanha e com um tom mais moderado (muito pela necessidade de manter o fluxo de fundos da UE para a recuperação econômica da Itália),Meloni hoje mantém relações mais próximas com líderes como Ursula von der Leyen,a presidente da Comissão Europeia,além de Starmer,com quem compartilha ideias sobre fronteiras e imigração. Apesar disso,ele lembra que a UE adota uma política migratória excludente há muito tempo,desde 2015,retratando consistentemente a migração como uma ameaça à segurança europeia.
— Devemos observar quão receptiva a liderança da UE tem sido a muitas das ideias de Meloni — destacou Newth. — Não há uma distinção clara entre as políticas dela e as do bloco. Isso é evidente no Pacto de Migração e Asilo da UE [aprovado em 2024],que foi elogiado por Meloni e outros líderes de extrema direita.