2025-01-16 IDOPRESS
Pessoas verificam a destruição após um ataque israelense na escola Al-Farabi,no centro da Cidade de Gaza,que está abrigando várias pessoas deslocadas,em 15 de janeiro de 2025 — Foto: OMAR AL-QATTAA/AFP
GERADO EM: 15/01/2025 - 16:24
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As mortes causadas por bombas e outros ferimentos traumáticos durante os primeiros nove meses da guerra na Faixa de Gaza podem ter sido subestimadas em mais de 40%,de acordo com uma nova análise publicada na revista The Lancet.
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A análise estatística revisada por pares,liderada por pesquisadores de saúde pública da London School of Hygiene and Tropical Medicine,utilizou modelagem em um esforço para fornecer uma estimativa objetiva de terceiros sobre as vítimas. As Nações Unidas (ONU) têm se baseado nos números do Ministério da Saúde administrado pelo Hamas que,segundo a organização,tem sido bastante preciso,mas que Israel critica como inflacionado.
Porém,a nova análise sugere que a contagem do Ministério da Saúde é significativamente inferior. Os pesquisadores concluíram que o número de mortos em decorrência dos bombardeios aéreos de Israel e da operação militar terrestre em Gaza entre outubro de 2023 e o final de junho de 2024 foi de cerca de 64.300,em vez dos 37.900 relatados pelo Ministério da Saúde palestino.
A estimativa na análise mostra que 2,9% da população de Gaza pré-guerra foi morta por lesão traumática,ou 1 em cada 35 habitantes. A análise não levou em conta outras baixas relacionadas à guerra,como mortes por desnutrição,doenças transmitidas pela água ou o colapso do sistema de saúde à medida que o conflito avançava.
O estudo constatou que 59% dos mortos eram mulheres,crianças e pessoas com mais de 65 anos de idade. O estudo não estabeleceu qual parcela dos mortos relatados era de combatentes.
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Mike Spagat,um especialista em cálculo de baixas de guerra que não participou dessa pesquisa,disse que a nova análise o convenceu de que as baixas em Gaza foram subnotificadas.
— Essa é uma boa evidência de que o número real é maior,provavelmente muito maior,do que os números oficiais do Ministério da Saúde,maior do que eu vinha pensando nos últimos meses — disse Spagat,que é professor do Royal Holloway College da Universidade de Londres.
Mas a apresentação de números precisos,como uma mortalidade subnotificada de 41%,é menos útil,disse,uma vez que a análise de fato mostra que o total real pode ser menor ou substancialmente maior.
— Quantitativamente,é muito mais incerto do que eu acho que aparece no artigo — disse Spagat.
Os pesquisadores disseram que sua estimativa de 64.260 mortes por lesão traumática tem um "intervalo de confiança" entre 55.298 e 78.525,o que significa que o número real de vítimas provavelmente está nessa faixa.
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Se o nível estimado de subnotificação de mortes até junho de 2024 for extrapolado até outubro de 2024,o número total de vítimas em Gaza no primeiro ano da guerra ultrapassaria 70.000.
— Há uma importância nas mortes por ferimentos de guerra,porque isso diz respeito à questão de saber se a campanha é proporcional,se,de fato,são tomadas providências suficientes para evitar vítimas civis — explicou Francesco Checchi,pesquisador de saúde pública com especialização em conflitos e crises humanitárias e professor da London School of Hygiene and Tropical Medicine,autor do estudo. — Acho que a memória [das vítimas] é importante. Há um valor inerente em apenas tentar chegar ao número certo.
A análise utiliza um método estatístico chamado análise de captura-recaptura,que tem sido usado para estimar as baixas em outros conflitos,incluindo guerras civis na Colômbia e no Sudão.
Para Gaza,os pesquisadores se basearam em três listas: a primeira é um registro mantido pelo Ministério da Saúde da Palestina,que inclui principalmente os mortos em necrotérios de hospitais e estimativas do número de pessoas não recuperadas enterradas em escombros. A segunda é a de mortes relatadas por familiares ou membros da comunidade por meio de um formulário de pesquisa on-line que o Ministério criou em 1º de janeiro de 2024,quando o sistema de registro de mortes anterior à guerra foi interrompido. Ele solicitou aos palestinos dentro e fora de Gaza que fornecessem nomes,idades,número de identificação nacional e local da morte das vítimas. A terceira fonte foram os obituários de pessoas que morreram de ferimentos publicados nas redes sociais,que podem não incluir todos os mesmos detalhes biográficos e que os pesquisadores compilaram manualmente.
Os pesquisadores analisaram essas fontes para procurar indivíduos que aparecessem em várias listas de mortos. Um alto nível de sobreposição teria sugerido que poucas mortes não foram contadas; mas a baixa quantidade encontrada sugeriu o contrário. Os pesquisadores usaram modelos para calcular a probabilidade de cada indivíduo aparecer em qualquer uma das três listas.
— Os modelos nos permitem estimar de fato o número de pessoas que não foram listadas — disse Checchi.
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Isso,combinado com o número listado,deu aos analistas o total.
Patrick Ball,diretor de pesquisa do Human Rights Data Analysis Group e estatístico que realizou estimativas semelhantes de mortes violentas em conflitos em outras regiões,disse que o estudo é sólido e bem fundamentado. Mas ele advertiu que os autores podem ter subestimado a quantidade de incerteza causada pelo conflito em andamento.
Os autores usaram diferentes variações de modelos matemáticos em seus cálculos,mas Ball disse que,em vez de apresentar um único número — 64.260 mortes — como estimativa,pode ter sido mais apropriado apresentar o número de mortes como um intervalo de 47.457 a 88.332 mortes,uma margem de erro que engloba todas as estimativas produzidas pela modelagem da sobreposição entre as três listas.
— É muito difícil fazer esse tipo de coisa no meio de um conflito — disse Ball,explicando: — Leva tempo e requer acesso. Acho que você poderia dizer que o intervalo é maior,e isso seria plausível.
Embora Gaza tivesse um forte processo de registro de mortes antes da guerra,agora ele tem função limitada após a destruição de grande parte do sistema de saúde. As mortes não são contadas quando famílias inteiras são mortas simultaneamente,não deixando ninguém para relatar,ou quando um número desconhecido de pessoas morre no desabamento de um grande edifício; os residentes de Gaza são cada vez mais enterrados perto de suas casas sem passar por um necrotério,disse o autor do estudo.
Os autores reconheceram que alguns dos supostos mortos podem,estar desaparecidos,provavelmente levados como prisioneiros em Israel.