2025-01-12 IDOPRESS
Kitana trabalha farejando drogas no Rio — Foto: Ana Branco
GERADO EM: 11/01/2025 - 11:48
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Kitana é uma profissional da detecção de armas e drogas. Demonstra agilidade,perícia e segurança. Mas também nasceu com alma de modelo. Treinada para faro,ela esbanja talento na frente das câmaras. O único defeito da pastora belga malinois Kitana parece ser o de todos os cães. Eles nos deixam cedo. Cachorros vivem pouco e compartilham muitas das mazelas da velhice humana.
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Porém,no mundo,uma série de novos estudos científicos tenta dar aos cães uma vida mais longa e saudável. No Brasil,a primeira iniciativa do tipo deverá começar esse ano e investigará estratégias para a melhoria da qualidade de vida. Sobretudo,em cães profissionais como Kitana,que pertence ao Batalhão de Ações com Cães (BAC),da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Cães vivem,em média,de 10 a 13 anos. Kitana tem apenas 3 anos,mas dentro de cinco anos estará aposentada. Os cães envelhecem de sete a dez vezes mais depressa que seres humanos. E,como as pessoas,à medida que ficam velhos,perdem força muscular e sofrem declínio cardiovascular e cognitivo.
O estudo no Brasil se chama Programa Avançado de Mitigação do Envelhecimento Canino (Pamec). A inspiração é o americano Dog Aging Project,com o qual compartilha a coordenação científica do americano Matt Kaeberlein,professor de biogerontologia da Universidade de Washington e pioneiro no estudo do envelhecimento canino.
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O projeto americano conta com a participação de mais de 55 mil cães,200 cientistas e tem o apoio do Instituto Nacional de Envelhecimento (NIH) dos Estados Unidos.
O Pamec é uma colaboração entre a startup de biotecnologia brasileira PetMoreTime e a Federação Nacional de Entidades Militares Estaduais (Feneme),e conta com o apoio do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais. O programa terá a supervisão da Comissão de Ética no Uso de Animais.
No Brasil,serão 80 cães,de 7 e 8 anos — portanto,na meia-idade canina — e peso na faixa de 20 quilos. A homogeneidade do peso e da idade é importante para que seja possível comparar resultados. Já raça — ou a falta dela — não é relevante.
Em sua maioria,os cães são das polícias militares brasileiras,interessadas na possibilidade de aumentar a qualidade de vida de seus animais. O projeto tem várias fases,a mais longa com duração prevista de quatro anos.
Marcello Rachlyn,um dos fundadores da PetMoreTimes,frisa que o principal objetivo é investigar intervenções que possam desacelerar o envelhecimento nos cães.
— O programa aborda mais o conceito de healthspan,da melhora de qualidade de vida,do que de lifespan,de aumentar a expectativa. Como acontece com seres humanos,não adianta viver mais,se não for com muita saúde —observa Rachlyn.
Ele explica que foi justamente a possibilidade de melhorar a qualidade de vida que atraiu o interesse da polícia militar.
— Esses cães passam por seleção e longo treinamento específico. Não é qualquer cão que se adequa e tem o temperamento e as habilidades necessárias e,claro,ninguém quer perdê-los. Para o programa é bom porque os cães das polícias têm ótima saúde e são desde o nascimento acompanhados por veterinários — explica Rachlyn.
A major veterinária Priscila Naurath,chefe da seção médica veterinária do BAC,frisa que interessa à corporação contar com medicina veterinária preventiva e de performance de ponta.
— Nossos cães já fazem check-up a cada dois meses,realizam todos os exames e vacinas,recebem alimentação de ótima qualidade. Mas são animais que vão a áreas de desastre ou conflito,precisam atravessar terrenos perigosos,estão sujeitos a lesões. Eles nos prestam um serviço inestimável e nos interessa que tenham o melhor disponível — diz a major.
O programa no Brasil segue modelos já testados nos EUA com seres humanos e cães. A base são protocolos de atividade física,de alimentação saudável,acompanhamento veterinário,exames laboratoriais e de uso de dois medicamentos que têm se mostrado capaz de melhorar indicadores de saúde metabólica e cardiovascular tanto em humanos quanto em cachorros. São as drogas rapamicina e dapagliflozina.
A dapagliflozina pertence à classe dos inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (SGLT2),empregados para tratar diabetes mellitus tipo 2. Em humanos,é usada também para tratar insuficiência cardíaca crônica e doença renal crônica.
Já a rapamicina foi originalmente desenvolvida para evitar a rejeição de órgãos transplantados. Porém,há anos seu efeito na redução do estresse oxidativo e,dessa forma,potencialmente no fortalecimento do sistema imunológico,cardiovascular e tegumentar (pele,cabelos,unhas) é alvo de estudos.
Os cães vão usar ainda uma “coleira inteligente”,que funciona como uma versão mais sofisticada de relógios,anéis e outros gadgets humanos,para monitorar atividade física,ritmo metabólico,qualidade do sono,frequência cardíaca entre outras variáveis.
A veterinária do Pamec Bianca Ribeiro explica que a coleira pode indicar,por exemplo,sinais de dor. Cães nem sempre externalizam dores,mas a coleira as monitorará por um algoritmo capaz de interpretar alterações sutis,como mudanças de postura e de nível de atividade. Interessa em especial a osteoartrite,condição dolorosa e comum associada ao envelhecimento.
E devem ser realizadas ainda análises epigenéticas (no DNA e proteínas) para avaliar os resultados.
Ribeiro diz que se espera poder avaliar se os protocolos trouxeram benefícios em melhora de função cardíaca e cognitiva,por exemplo.
Nos EUA,os primeiros resultados do Dog Aging Project sugerem que cães ativos têm um risco reduzido de desenvolver “demência canina” e que viver em um ambiente social,como uma casa com outros animais,pode ser benéfico para a saúde deles.
Outra descoberta é de que o ideal para a maioria dos cães parece ser oferecer apenas uma refeição por dia em vez de distribuir a alimentação em porções menores.
Cães são amados membros da família e a adesão maciça nos EUA se explica pelo óbvio interesse de querer que vivam mais e melhor. Mas o intuito do NIH em apoiar um estudo canino é que os cães não são apenas nossos melhores e mais antigos companheiros (foram os primeiros animais a serem domesticados,há pelo menos 15 mil anos),mas também uma forma de compreender de forma indireta o envelhecimento humano.
Trabalhos de Kaeberlein destacam que,como os humanos,os cães têm diferenças individuais na expectativa de vida e nas doenças que desenvolvem. Eles também sofrem de problemas físicos semelhantes à medida que ficam mais velhos e,muitas vezes,recebem tratamento parecido.
Além disso,compartilham conosco o ambiente em que vivem,para o bem e para o mal. Por isso,estudos que digam respeito à saúde deles importa para os dos humanos,diz Kaeberlein.
O treinamento de um cão policial dura cerca de dois anos.
E no BAC nem todos os cães trabalham em detecção de explosivos,armas,drogas e pessoas ou em controle de distúrbios e resgate de reféns.
Alguns desempenham o papel de melhor amigo para quem precisa muito de amizade e cuidado. São os cães da cinoterapia,que participam do tratamento de policiais e civis que necessitam de reabilitação motora e emocional. É o caso de Bolt,um golden retriever de 7 anos,às portas da aposentadoria.
Bolt terá o merecido descanso em breve,para saudade dos pacientes e policiais que o acompanham. O comandante interino do BAC,tenente-coronel Luciano Pedro Barbosa da Silva,explica que os aposentados são doados,após processo de seleção de uma longa lista de interessados,mas que a maioria vai para o lar do policial que o acompanhou por toda a vida.
— Todos são animais muito especiais. Só este ano levaram à apreensão de 15 toneladas de drogas. Não queremos nos separar de nenhum deles. Mas o tempo é o limite. Buscamos parcerias que melhorem a qualidade de vida deles e,também o nosso serviço — diz.