2025-01-10 IDOPRESS
Sede do Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília: crimes previstos no Brasil praticados nas redes sociais podem ser punidos — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
GERADO EM: 09/01/2025 - 23:36
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A decisão da Meta que flexibiliza regras sobre conteúdo de ódio nas redes sociais da empresa deve aumentar ações na Justiça contra a empresa,avaliam especialistas ouvidos pelo GLOBO. A empresa,no entanto,continua protegida de responsabilização no Brasil pelo conteúdo que circula no Instagram,Facebook e Threads,em razão do Marco Civil da Internet.
No entanto,os analistas lembram ainda que as regras sobre liberdade de expressão aqui são diferentes das americanas.
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Na terça-feira,a Meta flexibilizou as regras que determinam que tipo de conteúdo é proibido nas plataformas e,portanto,está sujeito a ser removido. O CEO da empresa,Mark Zuckerberg,ao anunciar o fim do programa de checagem independente e o aumento do conteúdo político nas redes,disse ainda que eliminaria “um monte de restrições” sobre tópicos como gênero e imigração.
As novas diretrizes permitem,por exemplo,que usuários associem doenças mentais a gênero ou orientação sexual,em contextos de debates religiosos ou políticos. Também flexibilizam restrições a discursos que defendem a limitação de gêneros em determinadas profissões.
O texto em português acrescenta que será possível usar termos como “esquisito” para referências a pessoas LGBTQIAPN+.
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O CEO da Meta,Mark Zuckerberg — Foto: Kent Nishimura/Bloomberg
Apesar das diretrizes permissivas da empresa,a flexibilização não faz com que conteúdo discriminatório fique imune à lei brasileira,lembra a advogada especialista em Direito Digital Patrícia Peck. Ela afirma que a jurisprudência nacional evoluiu em agosto passado,quando o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que ofensas contra pessoas LGBTQIA+ podem ser enquadradas como racismo ou injúria racial.
— Assim,as mudanças nas diretrizes da Meta podem ser enquadradas na nova concepção doutrinária do crime de injúria racial,sobretudo após a lei 14.532,de janeiro de 2023,que equiparou o crime de injúria racial ao de racismo — afirma a advogada,que acrescenta que esse tipo de conteúdo ainda poderá ser enquadrado como crime de honra.
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A especialista avalia que a mudança na regra,com o fim da exclusão de postagens discriminatórias,provoque um aumento de ações judiciais pedindo remoção de conteúdo. De acordo com o Marco Civil da Internet,as plataformas só podem ser responsabilizadas por conteúdo publicado por terceiros quando não cumprirem ordem judicial para remover ou tornar indisponível o material considerado ilegal.
Ela argumenta que as novas diretrizes,ao permitirem disseminação de conteúdo discriminatório,violam o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,entre outros tratados internacionais.
As marcas sob o chapéu da Meta: empresa criada com Facebook é hoje dona também de Instagram,Threads e WhatsApp — Foto: Lionel Bonaventure/AFP
Álvaro Jorge,professor da FGV Direito Rio,lembra que,embora o Marco Civil proteja as plataformas,os usuários não estão isentos de respeitar a legislação brasileira:
— As pessoas vão responder por isso (eventual crime). É diferente da responsabilização da plataforma — ressalta o advogado,que também espera mais ações na Justiça contra a Meta. — A legislação brasileira independe das regras da plataforma. O que vai acontecer é que pessoas que se sentirem atingidas terão de recorrer ao Poder Judiciário para suspender conteúdo.
Sede do Supremo Tribunal Federal (STF),em Brasília: Justiça deverá ser mais demanda após mudanças na Meta — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Oscar Vilhena Vieira,professor de Direito Constitucional na FGV Direito SP,ressalta que a perspectiva americana sobre liberdade de expressão é amplamente liberal tanto na possibilidade de discurso,quanto na desresponsabilização do meio utilizado para o discurso. O entendimento legal vai de encontro ao arcabouço que foi consolidado no Brasil.
— O Brasil veda a censura prévia,mas insere a possibilidade de criminalização por determinadas condutas discursivas. São escalas diferentes,em que alguns discursos que nos Estados Unidos são liberados,no Brasil são proibidos — diz Vieira.
Para Jorge,da FGV,as mudanças na Meta devem “reenergizar” a discussão sobre regulamentação das redes sociais. O anúncio de Zuckerberg,diz,“deixou claro” que o modelo de autorregulação é insuficiente,pois as empresas podem mudar as regras “do dia para a noite”.
— A ação da Meta coloca as instituições brasileiras na berlinda. E essas instituições tendem a reagir. Acredito que será um combustível par aceleração do julgamento no Supremo (sobre responsabilização das redes por conteúdo publicado) — diz o professor de direito digital da Universidade Mackenzie Diogo Rais,que também espera uma “proliferação da judicialização contras as plataformas”
Para Rais,apesar de argumentar que a liberdade de expressão era o motivador das mudanças,Zuckerberg deixou claro em seu discurso que está transformando as aplicações de suas redes “em um instrumento político”:
— É possível reconhecer essa flexibilização as pautas do espectro ideológico da extrema direita. Ele primeiro decide que esse tipo de conteúdo não é um problema e depois diz que irá voltar a incentivar a circulação de postagens políticas de uma forma geral. A tomada de decisão nessa ordem indica uma estratégia.
Nesta quinta-feira,a Meta publicou em português a atualização dos Padrões de Comunidade. As atualizações incluem a possibilidade de uso de termos como “esquisito”,em discursos políticos e religiosos sobre transgenerismo e homossexualidade.
A empresa também passou a permitir postagens que defendam "limitações baseadas em gênero para empregos militares,policiais e de ensino”. Outra mudança suprime trecho que impedia a desumanização de mulheres com base em comparações com objetos inanimados e estados não humanos.
Ao anunciar as alterações e marcar sua guiada ao trumpismo,Mark Zuckerberg defendeu que a Meta iria “às raízes” da empresa “em torno da liberdade de expressão”. O executivo também indicou que iria se aliar a Trump para “restaurar” a liberdade em outras partes do mundo.
Em documento enviado ao relator das Nações Unidas para questões de minorias,Nicolas Levrat,a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) pediu que fosse aberta investigação sobre as mudanças e os danos que poderiam causar à comunidade LGBTQIAPN+.
A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) pediu investigação à ONU — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
No X,a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) afirmou que entraria com ação judicial contra a empresa. A parlamentar enviou ofíco à Meta solicitando informações sobre as mudanças. Também oficiou o ministro do STF,Alexandre de Moraes,para uma reunião sobre o caso.
Ontem,a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) se reuniu com representantes do Ministério Público Federal (MPF) após protocolar uma representação contra as mudanças. A organização espera que o MPF entre com uma ação civil pública contra a Meta e,entre outros pontos,pede indenização a título de reparação para a comunidade LGBTQIA+.
Bruna Benevides,presidenta da Antra,espera também que o caso impulsione avanços sobre regulamentação das redes sociais:
— A sociedade deve se mobilizar e o estado brasileiro deve dar respostas contundentes no sentido de proteger a comunidade (LGBTQIA +). O primeiro ponto da discussão é a regulamentação.
O trecho em português das diretrizes da Meta que trata das associações de pessoas LGBTQIAPN+ com transtornos mentais afirma que a empresa permite "alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual,considerando discursos políticos e religiosos sobre transgenerismo e homossexualidade,bem como o uso comum e não literal de termos como “esquisito”'.
Trecho do novo Padrão de Comunidade da Meta — Foto: Reprodução/Meta
A empresa também afirma que será possível publicar postagens que defendam "limitações baseadas em gênero para empregos militares,policiais e de ensino. Também permitimos conteúdo similar relacionado à orientação sexual,desde que fundamentado em crenças religiosas".
Trecho da nova política da Meta que permite conteúdo sobre limitações baseadas em gênero — Foto: Reprodução/Meta
O GLOBO questionou a empresa sobre quando todas as mudanças anunciadas por Mark Zuckerberg serão aplicadas no Brasil,mas não obteve resposta até o momento. O Ministério Público Federal (MPF) deu à Meta um prazo de 30 dias para apresentar esclarecimentos sobre as alterações e as possíveis implicações legais no país.
Além das novas diretrizes para discurso de ódio e do fim dos checadores,Zuckerberg afirmou que a Meta vai reintroduzir conteúdo político nas redes e flexibilizar a exclusão de postagens que tenham violações consideradas menos graves.
1. Menção à violência física foi retirada: a Meta retirou integralmente trecho que citava que o discurso de ódio on-line tinha efeitos no meio físico.
- Documento anterior: "Acreditamos que as pessoas se comunicam e se conectam mais livremente quando não se sentem atacadas pelo que são. É por isso que não permitimos discursos de ódio no Facebook. Isso cria um ambiente de intimidação e exclusão que,em alguns casos,pode promover a violência no meio físico”.
- Versão atual: "Acreditamos que as pessoas se comunicam e se conectam mais livremente quando não se sentem atacadas pelo que são. É por isso que não permitimos conduta de ódio no Facebook,no Instagram ou no Threads."
2. Debate sobre exclusão baseada em sexo e gênero passa a valer: o documento adiciona menção de que é possível debater restrição de acesso a espaços,como banheiros,em razão de gênero ou sexo.
- Versão atual (trecho incluído): "Por vezes,as pessoas utilizam uma linguagem exclusiva em função do sexo ou do género quando discutem o acesso a espaços frequentemente limitados pelo sexo ou pelo género,como o acesso a casas de banho,a escolas específicas,a funções militares,de aplicação da lei ou de ensino específicas,e a grupos de saúde ou de apoio. Outras vezes,incentivam à exclusão ou utilizam linguagem ofensiva em contexto de discussão de assuntos políticos ou religiosos,como quando se discutem os direitos das pessoas transgênero,a imigração ou a homossexualidade. Por fim,às vezes,as pessoas também insultam um gênero no contexto do final de uma relação amorosa. As nossas políticas foram concebidas para dar espaço a esses tipos de discurso".
3. Defesa de limitações baseada em gênero será permitida: regras atuais permitem conteúdo que trate de distinções profissionais baseadas em gênero.
- Versão atual (trecho incluído): "Permitimos conteúdo que defenda limitações baseadas em gênero para empregos militares,desde que fundamentado em crenças religiosas."
4. Permissão para associação entre doença mental e gênero e orientação sexual: documento vai permitir que pessoas LGBTQIA+ sejam classificadas como doentes considerando discursos políticos e religiosos.
- Versão atual (trecho incluído): "Permitimos alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual,bem como o uso comum e não literal de termos como “esquisito”.
5. Proibição de associação a objetos foi modificada: a Meta eliminou trecho que proibia a desumanização de mulheres com base em comparações com objetos inanimados e estados não humanos. Trecho que proíbe associação de "pessoas negras com equipamentos agrícolas" foi incluído no novo documento,mas em outro trecho.
- Documento anterior (trecho excluído): Não publique […]:
Discurso degradante na forma de comparações ou generalizações sobre: […]
Certos objetos inanimados e estados não humanos:
* Objetos específicos (mulheres como objetos ou bens domésticos ou objetos em geral; pessoas negras como equipamentos agrícolas; pessoas transgênero ou não-binárias como “isso”)
* Fezes (incluindo,entre outros: merda e bosta)
* Impurezas (incluindo,entre outros: sujeira,fuligem ou "[característica protegida ou característica semiprotegida] com má higiene").
* Bactérias,vírus ou micróbios
* Doença (incluindo,entre outros: câncer e doenças sexualmente transmissíveis)
* Sub- humanidade (incluindo,entre outros: selvagens,demônios,monstros e primitivos)
6. Negação da existência foi excluída: a Meta retirou trecho que proibia declarações negando a existência de pessoas ou grupos protegidos.
- Documento anterior (trecho excluído): "Declarações negando a existência (incluindo,entre outros: '[características protegidas ou quase protegidas] não existem','não existem [características protegidas ou quase protegidas]' ou '[características protegidas ou quase protegidas] não devem existir')."
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