2024-12-18 IDOPRESS
Em 2023,país registrou 83.988 estupros,uma média de um a cada seis minutos — Foto: Pixabay
GERADO EM: 17/12/2024 - 23:08
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O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) vota,na próxima segunda-feira,uma resolução que define diretrizes para o aborto legal em crianças e adolescentes. A iminência da votação,porém,gerou uma reação de parlamentares bolsonaristas. O documento tem como objetivo garantir atendimento humanizado às vítimas com direito ao procedimento,conforme previsto pela legislação brasileira: gravidez decorrente de violência sexual,risco de vida à gestante e quando o feto apresenta anencefalia.
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A resolução,obtida pelo GLOBO,destaca que,identificada a situação de aborto legal e manifestada a vontade de interromper a gravidez,a criança ou adolescente deverá ser encaminhada aos serviços de saúde pelo órgão do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) para realizar o aborto. “É um direito humano de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual,estando diretamente relacionado à proteção de seus direitos à saúde,à vida e à integridade física e psicológica”,diz a minuta.
Nas redes sociais,o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) afirmou que vai protocolar uma indicação para que a ministra dos Direitos Humanos,Macaé Evaristo,rejeite a resolução,ameaçando entrar com um mandado de segurança caso ela seja aprovada. Já a deputada Julia Zanatta (PL-SC) apresentou um projeto para alterar a lei que cria o Conanda,proibindo-o de discutir o tema do aborto em crianças e adolescentes. O deputado Gustavo Gayer (PL-GO),por sua vez,apresentou moção de repúdio contra o conselho. Os três parlamentares estão entre os principais apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Congresso.
Em 2021,de acordo com o DataSUS,17.456 bebês nasceram de meninas com menos de 14 anos — em 2023,o número foi de 13.909. Além da violência sexual,as consequências de uma gravidez precoce são graves. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),complicações na gestação e no parto são a segunda principal causa de morte entre meninas de 15 a 19 anos.
A conselheira Maria das Neves,representante da União Brasileira de Mulheres no Conselho Nacional de Direitos Humanos,enfatizou a gravidade dos dados sobre estupro contra crianças e adolescentes.
— Os elevados índices de estupro contra as crianças deve indignar e preocupar toda sociedade. Criança não é mãe,e estuprador não é pai. Obrigar uma criança,vítima de estupro,a levar uma gravidez fruto de um crime brutal é tortura — afirma.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 revelam que o país registrou 83.988 estupros,uma média de um a cada seis minutos. A maioria das vítimas são meninas menores de 13 anos,sendo que 84,7% dos agressores são familiares ou conhecidos.
O documento em análise também propõe diretrizes para evitar a revitimização de crianças e adolescentes,garantindo que a “manifestação de vontade” da gestante seja priorizada,mesmo nos casos de divergência dos pais. Caso a presença dos responsáveis represente risco de "danos físicos,mentais ou sociais",e se ela tiver capacidade para tomar a decisão,o profissional deve garantir o processo de escuta e que quaisquer outros "tratamentos,devidamente consentidos,sejam realizados sem impedimento".
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— Nem todos os responsáveis legais das vítimas que podem acessar o aborto legal estarão preocupados com a integridade da criança. Por vezes,eles estão mais preocupados em proteger o familiar que agrediu a vítima. Em outros casos,o responsável legal pode estar tão impactado e traumatizado com a violência que não consegue discernir que o que deve ser garantido é que a vítima tenha o seu direito à infância e à adolescência garantido — explica a conselheira Romi Bencke,do Conselho Nacional de Direitos Humanos
No caso em que os responsáveis estiverem presentes e divergirem,eles também devem ser acolhidos,mas priorizando o desejo manifestado pela menor de idade. Se a divergência persistir,a recomendação é acionar a Defensoria Pública ou o Ministério Público.
"O exercício regular do poder familiar deve assegurar que crianças e adolescentes não sejam expostos a riscos à sua saúde física,mental e social,e os responsáveis legais devem ser informados sobre a importância de priorizar o melhor interesse da criança e da adolescente",detalha o documento.
A votação da resolução ocorre após casos recentes que chamaram atenção nacional. Em 2023,uma criança de 10 anos,estuprada pelo tio,precisou entrar escondida em um hospital para realizar o aborto legal devido ao assédio de grupos contrários. Já em julho deste ano,uma menina de 13 anos foi impedida pela Justiça de interromper a gravidez depois que o pai fez um acordo com o estuprador.
O texto também especifica a necessidade de uma escuta especializada das vítimas de violência sexual de forma a não culpabilizá-la ou criminalizá-la,"garantindo-se uma abordagem respeitosa e sensível à proteção de seus direitos,com o objetivo de proporcionar um ambiente seguro em que a criança ou adolescente possa se expressar livremente".
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— Devemos garantir que essas meninas se sintam seguras e confortáveis para pedir ajuda,principalmente quando a violência é praticada por familiar ou por pessoas do seu círculo de convivência — diz a defensora pública Tatiana Fortes,do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) de São Paulo.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD),de 2019 a 2023,23,1% das mulheres entre 14 e 29 anos interromperam os estudos devido à gravidez,sendo que a evasão escolar entre adolescentes que se tornam mães atinge 47%,contra 5% entre aquelas sem filhos.
"A gravidez em idades precoces restringe as oportunidades e capacidades sociais,econômicas e políticas de crianças e adolescentes,como o direito à educação,limitando sua qualidade de vida e suas possibilidades de integrar,acompanhar e reagir positivamente em meio ao corpo social. Dessa forma,a gravidez na fase inicial de desenvolvimento fisiológico e psicossocial está diretamente ligada à pauperização,à evasão escolar e à interrupção do projeto de vida de meninas e jovens",informa a resolução.
A conselheira Luisa de Marilac,também do Conselho Nacional dos Direitos Humanos,alerta para os principais desafios que orbitam a discussão sobre o aborto:
— Um dos grandes desafios é que o princípio democrático da laicidade do Estado seja reconhecido como inegociável. Infelizmente,a laicidade tem sido distorcida em nosso país. Junto com o direito à liberdade religiosa,utiliza-se a laicidade para dizer que não cabe ao Estado intervir nas religiões. Até aí,tudo bem. No entanto,há uma mão dupla na relação entre Estado e religiões,pois não cabe às religiões impor seus dogmas ao conjunto da sociedade. O que rege nosso país é a Constituição,não doutrinas e dogmas de um único grupo religioso. O acesso ao aborto legal e seguro para crianças e adolescentes historicamente tem sido impedido por estes grupos doutrinários e dogmáticos. Direito conquistado não pode ser negociado.
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O Conanda é um colegiado formado por 14 integrantes da sociedade civil e 14 integrantes do governo. Ele é o órgão deliberativo máximo em políticas de proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil e é o responsável por fiscalizar e regulamentar políticas públicas conforme o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente). Suas resoluções têm caráter orientativo,ou seja,não têm força de lei.
(estagiário sob supervisão de Luã Marinatto)