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'Modelo de democracia', Coreia do Sul tem passado de ditaduras, repressão e resistência

2024-12-04 HaiPress

Policial é atingido por coquetéis molotov durante protesto no Dia do Trabalho em Seul — Foto: KIM JAE-HWAN/AFP PHOTO

RESUMO

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GERADO EM: 03/12/2024 - 19:57

"Presidente sul-coreano declara lei marcial: desafios democráticos em destaque"

Presidente da Coreia do Sul declara lei marcial,reavivando memórias sombrias de ditaduras e repressão. Passado turbulento inclui golpes militares,repressão violenta e redemocratização. Transformação para modelo democrático é destacada,mas desafios atuais como segurança regional e relações internacionais são evidenciados.

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Ao convocar um pronunciamento à nação e declarar lei marcial,uma aparente resposta à ferrenha oposição do Parlamento,o presidente Yoon Suk-yeol acendeu nas mentes de milhões de sul-coreanos as memórias de tempos obscuros em um país que hoje é chamado pelo presidente dos EUA,Joe Biden,de “modelo democrático” na Ásia. Por décadas,a Coreia do Sul foi comandada por governos autoritários,que aliavam um discurso de prosperidade econômica a regimes de exceção onde a democracia era só de fachada.

Entrevista ao GLOBO:'Provocações nucleares apenas trarão o fim do regime em Pyongyang',afirma presidente da Coreia do SulRecuo forçado: Presidente da Coreia do Sul volta atrás e suspende lei marcial,após Parlamento derrubar medida

Os anos após o fim da ocupação japonesa (1910-1945) foram de intensa turbulência,simbolizada na figura de Syngman Rhee,primeiro presidente da recém-formada Coreia do Sul. Com a destruição causada pela guerra com o Norte (1950-1953),o governo de Rhee foi ganhando tons autocráticos,que incluíram a centralização do poder na Presidência e a prisão e execução de seus rivais. A corrupção se tornou norma,e com condições de vida cada vez mais precárias,o país era um barril de pólvora.

Os protestos começaram em março de 1960,após mais uma eleição marcada por fraudes,e culminaram com o movimento conhecido como Revolução de Abril — os atos,duramente reprimidos pelas forças de segurança,foram liderados por sindicalistas,políticos e,principalmente,professores e estudantes. Cerca de 200 pessoas morreram,e Rhee renunciou ao posto em 26 de abril. Seu vice e protegido político,Lee Ki-poong,foi morto pelo próprio filho em casa dois dias depois.

As perspectivas de um governo democrático não duraram. Em 1961,um golpe militar pavimentou a chegada ao poder de uma das figuras históricas mais debatidas na Coreia do Sul,Park Chung-hee.

Militar de formação,que lutou com os japoneses na Segunda Guerra e que prestou lealdade a Tóquio com uma carta escrita com sangue,Park foi condenado à morte por Rhee,acusado de liderar um suposto complô comunista,mas perdoado diante da falta de homens para ocupar cargos militares. A partir dali,teve uma escalada meteórica nas Forças Armadas até o golpe de 1961,quando se consolidou como o líder de fato,sendo nominalmente eleito presidente em 1963.

Militares tentam invadir o prédio da Assembleia Nacional em Seul — Foto: Jung Yeon-je / AFP

Como apontam historiadores,o governo de Park foi um dos mais militarizados de que se tem notícia no mundo naquela época,e que criou mecanismos para não apenas se manter no poder,mas para suprimir qualquer tipo de oposição viável. A Agência Central de Inteligência da Coreia (KCIA) recebeu poderes amplos,inclusive para interferir na política e para agir fora das fronteiras sul-coreanas — em um dos episódios mais célebres,os agentes sequestraram o político de oposição,futuro presidente da Coreia e futuro ganhador do Nobel da Paz Kim Dae-jung em um resort no Japão,em 1973.

A simples menção à KCIA,que deu origem ao atual Serviço Nacional de Inteligência (NIS),faz com que muitos sul-coreanos sintam calafrios. A tortura era prevalente: em entrevista ao New York Times,em 1971,um funcionário do Departamento de Estado dos EUA a definiiu como uma mistura da Gestapo,a polícia secreta da Alemanha nazista,e da KGB,a agência de inteligência da União Soviética.

— Não havia nada na sala,apenas duas mesas. Eles colocavam uma barra de metal entre elas e penduravam uma pessoa de cabeça para baixo enquanto jogavam água em seu rosto — disse,em 2017 ao jornal Hankyoreh,Choi Min-hwa,um sobrevivente da “sala da morte” mantida pela agência nos arredores de Seul,e hoje aberta ao público.

'Milagre do Han'

Mas Park,ao contrário de Rhee,apresentava uma imagem de prosperidade,moldada por generosos pacotes de ajuda econômica do Japão,com quem reatou relações,e dos EUA,com quem colaborou com cerca de 300 mil homens para a Guerra no Vietnã (1955-1975) e foi recompensado financeiramente e militarmente. O “Milagre do Han”,em referência ao rio que corta Seul,transformou o país devastado por guerras em uma potência econômica e industrial,no qual o Estado definia as prioridades da economia e contava com o apoio dos grandes conglomerados industriais,os chaebols.

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O governo de Park teve um fim abrupto em 1979,quando ele foi morto pelo diretor da KCIA,Kim Jae-gyu,em um ato que levou à declaração da lei marcial — até a decisão de Yoon Suk-yeol de decretar a medida na terça-feira,essa havia sido a última vez em que o mecanismo foi acionado. Após a morte de Park,Chun Doo-hwan,através de um novo golpe militar e uma eleição indireta,chegou ao poder,dando início a uma nova era de repressão à oposição,que já estava nas ruas contra a ditadura.

Em maio de 1980,Chun autorizou,sob acusação de se tratar de um levante “pró-Coreia do Norte”,uma repressão em massa contra estudantes que se levantaram contra seu regime em Gwangju,um dos mais marcantes e sangrentos símbolos da luta pela redemocratização.

Em “Atos Humanos”,livro da Nobel de Literatura Han Kang,natural de Gwangju,ela conta,usando personagens inspirados em pessoas reais,os horrores da repressão que deixou dezenas de mortos.

“Todas as manhãs novos caixões eram levados ao ginásio,onde um velório coletivo foi montado. Os que chegavam eram aqueles que deram seus últimos suspiros no hospital. Quando as famílias traumatizadas traziam os caixões,os empurrando em carrinhos — era suor ou eram lágrimas que faziam seus rostos brilharem? — você tinha que mover os caixões que lá estavam para dar espaço”,diz um trecho da obra.

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O levante criou fissuras no regime,e acelerou um processo que,naquele momento,era inevitável. Em 1987,após violentos protestos em Seul,ligados à tortura e morte de um ativista,forçaram o governo a aceitar eleições legítimas e livres,que embora tenham sido vencidas pelo candidato da situação marcaram o início da redemocratização,consolidada com a vitória de Kim Young-sam em 1993.

Potência regional

A transição de uma Coreia do Sul autoritária para um país citado por Biden como um modelo para a democracia na Ásia foi acompanhada pelo fortalecimento da Coreia do Sul como um ator crucial para a região. Nos anos 1990,Kim Dae-jung deu início a uma política de aproximação com o Norte,que levou o então presidente a Pyongyang,e foi repetida,anos depois,por Moon Jae-in,que chegou à capital norte-coreana levando consigo,além de acordos,artistas de k-pop como a banda Red Velvet. Contudo,a iniciativa se encontra em ponto morto desde o final do governo de Moon,antecessor de Yoon Suk--yeol.

Caças sul-coreanos participam de treinamento com os EUA — Foto: Ministério da Defesa da Coreia do Sul

Seul se consolidou como um ator central no cenário de segurança regional,com uma das mais poderosas Forças Armadas da região,que inclui aeronaves americanas de última geração,como os F-35 americanos,além de sistemas de defesa antiaérea capazes de interceptar mísseis balísticos vindos do norte. Ao mesmo tempo,em 1991 os EUA retiraram suas armas nucleares do país,como parte do processo (frustrado) de desnuclearização da Península Coreana. Hoje,muitas vozes políticas no país se arrependem da decisão,e cerca de 70% da população são favoráveis ao desenvolvimento interno de um arsenal atômico,como forma de proteção contra as armas de Kim Jong-un.

Nos últimos anos,como parte da guinada americana rumo à Ásia,iniciada por Barack Obama,a Coreia do Sul se consolidou,ao lado do Japão,Austrália e,mais recentemente,Índia,como parceiro prioritário de Washington. Ao mesmo tempo,busca desenvolver seus próprios laços,especialmente com a China,sua maior parceira comercial.

— A China é um vizinho de longa data e nosso maior parceiro comercial. E seguimos desenvolvendo com ela uma “Parceria de Cooperação Estratégica”. Esperamos que as relações entre os Estados Unidos e a China evoluam de uma maneira que contribua para a estabilidade e o desenvolvimento da comunidade internacional — disse Yoon,em novembro,em entrevista ao GLOBO.

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