2024-11-01 HaiPress
O ex-presidente dos EUA e candidato republicano à Casa Branca,Donald Trump,e o presidente venezuelano,Nicolás Maduro — Foto: AFP
GERADO EM: 31/10/2024 - 20:40
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Quando o magnata Donald Trump surgiu na política pela primeira vez,nas eleições presidenciais de 2016,a sua grande promessa de campanha era construir um muro na fronteira entre México e Estados Unidos. Na época,assim como na disputa deste ano,a imigração era uma das principais preocupações dos eleitores e o país vizinho não saía do noticiário. Corta para 2024. O tema continua ocupando um papel central na disputa pela Casa Branca — dessa vez entre o republicano e a vice-presidente democrata,Kamala Harris —,mas o "inimigo" agora é outro: a Venezuela de Nicolás Maduro.
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De acordo com um estudo da agência Imagem Corporativa em parceria com a Universidade da Geórgia,obtido em primeira mão pelo O GLOBO,a Venezuela foi o país latino-americano mais citado na cobertura eleitoral dos Estados Unidos — superando o México,que aparece na segunda posição. No levatamento,que analisou mais de 5 mil publicações feitas pela imprensa americana entre janeiro e setembro,a Venezuela foi mencionada três mil vezes,enquanto o México,duas mil. A política foi a temática predominante das matérias,com destaque para as eleições realizadas em ambos os países este ano e seus impactos no fluxo migratório para os EUA.
A relação,até certo ponto,encontra eco na realidade. Das 1,5 milhão de apreensões de pessoas que cruzaram a fronteira americana de forma irregular,cerca de 250 mil eram de venezuelanos — a segunda maior nacionalidade,atrás apenas dos mexicanos (617 mil),segundo o Pew Research Center. Quando o país bateu recorde de entradas sem autorização em um único mês,em dezembro do ano passado,o padrão se repetiu: dos 249 mil cruzamentos irregulares registrados,56 mil eram de mexicanos e 46 mil de venezuelanos.
Mesmo expressiva,a chegada de venezuelanos no país é um fenômeno tão novo que o próprio site do governo americano ainda não especifica a nacionalidade no seu banco de dados e a classifica como "outros". Embora cidadãos do México ainda representem a maioria dos imigrantes que cruzam a fronteira sem documentos,o recente aumento no fluxo de venezuelanos jogou os holofotes no país e vem sendo capitalizado pela campanha republicana.
Em mais de uma ocasião,Trump apostou no mesmo discurso usado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e disse que "os EUA vão virar a Venezuela" caso Kamala vença. Em um comício na Pensilvânia na terça-feira,ele disse,sem provas,que a queda de 72% na criminalidade no país sul-americano estava relacionada à chegada de venezuelanos nos Estados Unidos,chamando-os de criminosos.
— Os criminosos entraram nos EUA. Eles [governos latino-americanos] nos tratam como uma grande lata de lixo. São assassinos,drogados,membros de facções,terroristas — disse o ex-presidente. — Kamala importou imigrantes criminosos de prisões,hospícios,instituições de saúde mental de todo o mundo.
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Apenas 1% dos imigrantes que entraram sem autorização nos EUA este ano já haviam sido condenados criminalmente antes,a esmagadora maioria deles (9,5 mil de um total de 15 mil) por cruzar sem autorização a fronteira de um país. Não há qualquer evidência de que a queda na violência na Venezuela esteja relacionada à migração — desde 2014,quase 8 milhões de venezuelanos deixaram o país em razão da crise econômica e do recrudescimento do regime de Maduro. Em entrevista à rede britânica BBC,o porta-voz do Observatório da Violência venezuelano,uma organização independente,apontou outros motivos:
— A criminalidade caiu na Venezuela por causa da redução das oportunidades de crime: os assaltos a bancos desaparecem porque não há dinheiro para roubar; os sequestros diminuíram porque não há dinheiro para pagar resgates; os assaltos no transporte público cessam porque os viajantes não têm dinheiro no bolso e têm celulares velhos e sem valor.
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Migrantes tentam atravessar a fronteira dos EUA com o México — Foto: Guillermo Arias / AFP
Até o momento,a retórica inflamada de Trump sobre imigração tem surtido efeito: para 54% dos americanos,ele é mais preparado para lidar com o tema do que Kamala (43%),aponta uma pesquisa New York Times/Siena College divulgada no início desta semana. Apesar de a economia ser a prioridade dos eleitores,seis em cada 10 consideram a questão migratória relevante na hora de dar o seu voto — um crescimento de 9 pontos percentuais em comparação com a eleição de 2020,mostrou o Pew Research em setembro.
De dezembro a agosto,o número de entradas irregulares pela fronteira sul dos EUA caiu 77% em razão de uma ordem executiva implementada pelo presidente Joe Biden que dificultou a solicitação de asilo e a permanência de imigrantes não autorizados no território americano.
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Mas as cenas de milhares de pessoas atravessando a fronteira no ano passado,transmitidas exaustivamente pela imprensa americana,ficaram marcadas no imaginário popular. E a visão,por parte da opinião pública,de que a política migratória do governo democrata foi um fracasso acabou sendo herdada por Kamala Harris quando ela assumiu a cabeça de chapa do partido,após a desistência de Biden em julho.
Kamala ainda estava sendo cotada para a posição quando os republicanos cunharam o apelido de "czar da fronteira" para ela. O termo faz referência a uma medida de 2021,quando Biden indicou a vice-presidente para liderar os esforços da Casa Branca no enfrentamento da crise migratória na fronteira sul,trabalhando com nações da América Central para mitigar as principais causas do problema. Na prática,um papel muito mais diplomático do que executivo — uma diferença que pouco importa numa corrida eleitoral.
Para além da competência de Kamala em resolver ou não a questão,diversos fatores estão por trás do boom migratório no final do ano passado,em especial a revogação do Título 42,política adotada por Trump durante a pandemia que expulsava automaticamente migrantes irregulares. A iniciativa levou à deportação de mais de 2,8 milhões de pessoas entre março de 2020 e maio de 2023.
Uma das promessas de campanha feitas por Trump este ano é trazer de volta o Título 42 e o programa "continue no México",que obriga requerentes de asilo a guardarem seu julgamento no vizinho. Ele também ameaçou invocar leis do período das 13 colônias para promover a maior deportação em massa da História.
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Kamala,por outro lado,tem citado sua experiência como procuradora-geral da Califórnia,um estado fronteiriço,para defender o endurecimento das ações contra os cartéis mexicanos,que atuam como coiotes na região. No entanto,como filha de mãe indiana e pai jamaicano,ela disse durante um comício em Washington D.C.,onde apresentou o argumento final da sua campanha,que é preciso “reconhecer que somos uma nação de imigrantes” e prometeu trabalhar com o Congresso para aprovar uma reforma no sistema migratório.
— Políticos precisam parar de usar a imigração como um problema para aterrorizar eleitores — pontuou Kamala,em um recado ao rival,adotando um tom mais duro na sequência.— Quando eu for presidente,vamos rapidamente remover aqueles que chegarem aqui ilegalmente,processar os cartéis e dar às patrulhas na fronteira o apoio que eles tanto precisam.
Pesquisas de intenção de voto mostram empate técnico entre Trump e Kamala tanto nos levantamentos nacionais quanto nos sete estados-pêndulo — aqueles que definem o vencedor no Colégio Eleitoral,sistema de votação indireta adotado na eleição presidencial do país. Em um deles,especificamente,a questão migratória será central: o Arizona,um dos estados americanos que fazem fronteira com o México,com 11 delegados em jogo.
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Além de votar para presidente na próxima terça-feira,os eleitores do Arizona decidirão se aprovam uma mudança na legislação local que endureceria o controle migratório,dando poder às forças de segurança locais para interrogar,prender e processar qualquer pessoa suspeita que cruzar a fronteira.
Nos quatro primeiros meses do ano,o estado registrou o maior número de travessias irregulares do país,com quase 200 mil apreensões apenas em um setor. Com a ordem executiva imposta por Biden,houve uma queda de 55%,mas a questão ainda é um assunto sensível e pode jogar o estado no colo de Trump,que foi derrotado lá há quatros anos.
Segundo o agregador de pesquisas Real Clear Polling,que traça uma média dos últimos levantamentos,o republicano tem uma vantagem de 2,4 pontos percentuais sobre Kamala no estado,no limite da margem de erro. A democrata conta com o apoio de eleitorado latino,que representa 33% da população e costuma estar alinhado à sigla. No entanto,Trump tem apelado para a comunidade ligando Kamala ao comunismo,alimentando a rejeição entre famílias que migraram para os EUA fugindo de regimes autoritários na América Latina,como Cuba e Nicarágua.