2024-09-22 HaiPress
A consultora de moda e estilo Costanza Pascolato — Foto: Cássia Tabatini
GERADO EM: 22/09/2024 - 04:30
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Com o penteado emblemático sem um fio fora do lugar,maquiagem irretocável e óculos geométricos que não escondem o olhar profundo,a consultora de moda Costanza Pascolato entra,pontualmente,na chamada de vídeo numa manhã de setembro. Antes mesmo de começar a entrevista,já dá seu primeiro conselho: “A luz,para esse tipo de conversa on-line,precisa ser frontal”,diz,do alto dos 85 anos recém-completados,no último dia 19. “O que importa hoje é viver o melhor possível dentro do tempo que vai ficando mais curto”,analisa.
A consultora de estilo Costanza Pascolato: camisa Egrey,casaco Francesca na NK Store,anéis,colar e brincos DiCandelaroo,óculos acervo pessoal — Foto: Cássia Tabatini
Por quase duas horas de entrevista,a papisa fashion — que atua como editora,escritora,consultora e pensadora de moda — fala sobre passagens marcantes de sua vida que daria um filme,com romance,glamour,drama e comédia. Original de Siena,na Itália,Costanza e a família,pertencentes à aristocracia italiana,chegaram ao Brasil em 1944,para se distanciar de um continente destroçado pela Segunda Guerra Mundial. Quatro anos depois,já em São Paulo,sua mãe,Gabriella Pascolato,montou a Tecelagem Santaconstância,uma das pioneiras do país,na época,especializada em seda.
Costanza,por sua vez,seguiu o roteiro esperado: casou-se aos 22 anos com o empresário americano Robert Blocker e teve duas filhas,Consuelo e Alessandra,hoje com 60 e 58 anos. Mas uma paixão a desviou do script: pediu a separação,algo raro na época,e casou-se novamente com o marquês italiano Giulio Cattaneo della Volta. Por conta disso,perdeu a guarda das filhas. O ano era 1971,e,movida pela necessidade de trabalho,iniciou a carreira como produtora — “de moda,comida,decoração” — na Editora Abril. “Quando fui,finalmente,contratada,cinco pessoas se posicionaram diante da porta da redação para me receber com a seguinte frase: ‘Você está tirando o nosso pão’. Achavam que era uma dondoca. Respondi com firmeza: ‘Pode não parecer,mas estou precisando. Depois,tudo que vocês sabem,eu saberei. Já o que eu sei,vocês jamais saberão’. Nessa resposta,veio a força da minha avó e da minha mãe,mulheres à frente do tempo.”
A consultora de moda e estilo Costanza Pascolato: camisa,calça e sapatos Gucci,anel,colar Cartier,óculos acervo pessoal — Foto: Cássia Tabatini
A seguir,os melhores trechos da entrevista e do próximo “ELAPod” — podcast da Revista ELA que já está disponível no canal do jornal O GLOBO no YouTube e no Spotify —,em que Costanza resume sua sabedoria aplicada à moda,às relações humanas,ao feminismo e ao enfrentamento de adversidades,como três cânceres de mama,uma depressão profunda e,mais recentemente,um acidente médico.
Nos anos 1970,você perdeu a guarda das suas filhas por decidir se separar para viver um grande amor. o que mudou de lá para cá?
Naquela época,separar-se era um grande tabu. Mas eu não imaginava perder a guarda das minhas filhas,achei que as levaria comigo. Meu pai me deserdou para eu voltar para casa. Ele,minha mãe e meu ex-marido quase não me deixavam ver as meninas. Fizeram isso para ver se eu mudava de ideia. Mas não mudei. Mesmo assim,não me considero revolucionária. Hoje isso é impensável. Mas nós,mulheres,continuamos a nos esforçar mais do que os homens,em tudo.
Arrepende-se? Paixão é imprescindível?
Não é todo mundo que tem a chance de viver uma paixão verdadeira,como a que vivi com o Giulio. Ficamos casados por 20 anos. Com o tempo,a paixão se transforma em outra coisa,uma grande amizade amorosa,que é tudo para um casal. Eu tive essa sorte. Tive outros amores também,ele não foi o único. Tem gente que me traiu,mas nunca quis saber e segui enquanto a relação durou. Para que saber de uma traição? A menos que você,ou seu parceiro,se encante muito por outra pessoa. Aí,é porque terminou.
Costanza Pascolato usa chemise,gravata e calça Handred,joias Tiffany,sapatos Botti,óculos acervo pesssoal — Foto: Cássia Sabatini
Depois do Giulio,entre 1999 e 2001,você foi casada com Nelson Motta. Ainda são amigos?
Hoje,sim. Começamos em Nova York e foi muito interessante. Ele me levava para dançar,conhecia tudo de jazz,que adoro,fazia coisas que ninguém mais fazia. No começo foi essa sedução. Só que chegou um momento em que percebi que o discurso,o que a gente tinha para contar um para o outro,não existia mais. Fora isso,estava chegando aos 60 e meus hormônios tinham me abandonado há tempos. Até que uma noite,em 2001,estava no apartamento dele,no Rio. Nunca me esqueço,foi quando caiu o helicóptero do (empresário paulista) João Paulo Diniz... Levantei,fiz minha mala,bati na porta do quarto dele — sempre dormi separada dos meus maridos — e falei que estava indo embora antes que a gente começasse a brigar. Também sofri,mas sabia que era o melhor para ambos.
Nunca dividiu quarto com marido?
Só com o primeiro. O Giulio,no nosso início,chegou a me trancar num terraço cheio de neve na Suíça para eu dormir a noite toda com ele (risos). Mas,depois,eu o convenci de que seria muito melhor. Cansa menos.
O excesso de intimidade destrói o desejo?
No início da relação,a intimidade seduz. Depois,repele. Na dúvida,melhor manter sempre um mistério,uma penumbra. Tudo o que é explícito demais acaba enjoando.
Considera-se feminista?
Sou uma feminista sem fúria. Feminista na atitude,mas não faço esforço algum para mudar as outras. Claro,posso esclarecer algumas mulheres que estejam perdidinhas,mas essa coisa de bandeira não funciona para mim.
Como enfrentou a menopausa?
A questão básica é hormonal,quando se perde a atração sexual,a vitalidade... Há uma fase em que você tem saco de ver as coisas boas e ruins de uma pessoa. Depois de uma determinada idade,só se deseja eliminar o que te dá mais trabalho. Não sinto falta (de romance).
Nem de sexo?
Imagina! Nunca fui de transar por transar e nunca mais ver. Sou de outra geração.
De que maneira encarou o câncer de mama?
Foram três: em 1993,2013 e,agora,em 2023. Levei um grande choque. Como sou muito cuidadosa com a minha saúde,estou sempre em dia com meus exames. Em todas as vezes,peguei no começo. Meu pai morreu de câncer no intestino. Os exames me salvaram.
Mas também a machucaram. É verdade que a senhora quebrou o quadril durante um exame?
Durante os procedimentos para a retirada do meu último tumor,no ano passado,os médicos me derrubaram. Caí e quebrei um osso importante do quadril. Agora estou bem,com bengala de vez em quando,mas senti muita dor,passei por cadeira de rodas,andador,muletas...
Já revelou ter tido depressão profunda. Em que momento foi isso?
Em 1988,aos 49 anos. Acordei e tinha uma orquestra tocando na cabeça. É a pior sensação. Tive mais coragem de enfrentar o câncer do que a depressão. Fiquei paralisada. Na época,não existiam esses remédios de hoje,tomei um,prescrito por um médico,para dor. Sofri muito,mas continuei trabalhando. Sentia um buraco no peito,não tinha lugar onde me apoiar... Parava o carro na Marginal,em São Paulo,para gritar porque não poderia fazer isso em outro local. Cheguei a pensar em me jogar... Depressão profunda é algo difícil de aguentar. Fiz muita terapia.
A consultora de estilo Costanza Pascolato; ela usa paletó Dolce & Gabbana e joias HStern — Foto: CÁSSIA TABATINI
Em entrevista à ELA,em 2019,a senhora contou que um terno Armani a salvou do suicídio. Como foi esse episódio?
Sempre fui muito ligada à imagem — cheguei a me apaixonar pelo braço de um professor,acredita? Bom,no auge da depressão,já no parapeito da janela,desesperada,olhei pra mim,de cima a baixo,além do chão,vi o terno branco da Armani que estava vestindo e pensei: “Isso não vai ficar bom,melhor desistir”.
De onde vem sua conexão com o novo?
Sou muito curiosa,sempre pergunto “por quê”. Até hoje presto atenção em tudo. Por causa da questão do quadril,passei a fazer fisioterapia em um espaço com diversos tipos de pessoas. Não consigo me concentrar apenas nos exercícios. Fico observando tudo. Os fisioterapeutas comentam que não perco uma (risos). Comento,mas sempre discretamente. Acredito que essa conexão também esteja no meu DNA. Minha mãe e minha avó foram mulheres modernas. Sou eu quem mexo nas minhas redes sociais,desenvolvi muito essa prática durante a pandemia. E estou de olho na inteligência artificial,que provocará a maior revolução no universo fashion.
Falando em novos tempos,neste novo cenário,que sinais de respeito ao próximo estão sendo ignorados,na sua opinião?
Vários. Saio sempre arrumada por questão de cortesia,aprendi isso com meu pai,assim como a pontualidade,sinal de que o seu tempo não vale mais que o do outro. A liberdade absoluta que dão para as crianças também é um ponto a ser questionado na atualidade. Nos restaurantes,as pessoas conversam gritando e não estão nem aí. Também procuro não interromper quem está falando e ser uma boa ouvinte. Tive uma educação muito rígida.
O que acha do politicamente correto?
Necessário,tem uma coisa de respeito. Mas,quando se torna radical,fica chato. Todo radical é muito chato. O radicalismo emburrece.
Cite uma coisa mixa.
Guardar rancor. Eu não guardo,esqueço. É uma perda de tempo e faz mal para gente. Penso: “Alguém em algum lugar errou ou não era para ser”. Essas coisas são inúteis,e tudo o que é inútil eu procuro me livrar.
O que vê de novo na moda brasileira?
Airon Martin,da Misci,traz um perfume brasileiro,que adoro. E a grife da filha da Xuxa (Mondepars,de Sacha Meneghel). Ela tem pegada comportamental e competência para identificar uma silhueta. O blazer dela é acabado à mão e pode ser misturado com jeans,saia de paetê,calça de alfaiataria... Esses são dois bons exemplos de marcas nacionais interessantes,que acompanho desde o início.
E a moda mundial,para onde caminha?
A moda está passando por um momento difícil e ando meio decepcionada com ela. Sinto que todas as marcas,grandes,médias e pequenas,estão repensando suas dinâmicas. Tem propostas que vêm da Escandinávia,com pegada moderna. Aposto em peças intercambiáveis que formam um guarda-roupa rotativo. Depois do quiet luxury,vai voltar esse mood esportivo. Acredito na moda em pequenos nichos,com seleção de diversas etiquetas dentro de um determinado estilo,que vão servir a um público específico. Esse movimento dominará o futuro.
Você já assinou coleções para a joalheria HStern e,tem uma linha de óculos para chamar de sua,a Anima Eyewear. Como são essas parcerias?
Fazia os catálogos para a HStern quando o Roberto (Stern) passou a dirigir a empresa. Ele me propôs assinar uma coleção de joias. Comecei (em 1997) no entusiasmo. Trabalhei com equipes e técnicos incríveis. Fui influenciada pela designer de joias Elsa Peretti,criei peças minimalistas. Foram 30 anos de parceria maravilhosa. Agora,assino uma linha de óculos,chamada Anima,em parceria com a Go Eyewear. A próxima coleção será vendida,inclusive,na Itália.
Qual conselho você daria para quem precisa se manter em equilíbrio no meio do caos?
Praticar meditação. Comecei há cinco anos e medito todos os dias por meio de um aplicativo que oferece várias versões em diversas línguas. Só não consigo no avião. Isso me ajudou muito a enfrentar momentos difíceis da vida. Acordo e medito. Meu pensamento ainda viaja um pouco,mas me faz muito,muito bem. A meditação garante um enraizamento em si mesmo maravilh