2024-09-04 HaiPress
Um estudo brasileiro relaciona a doença de Alzheimer com a falta de proteínas — Foto: Freepik
GERADO EM: 04/09/2024 - 04:30
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Uma estratégia diferente das empregadas até agora contra a doença de Alzheimer acena com a possibilidade de restaurar a memória. Um estudo liderado por cientistas brasileiros mostrou que uma substância derivada da cetamina restitui a capacidade de produzir as proteínas necessárias à comunicação entre os neurônios no cérebro. Sem essas proteínas,uma pessoa não guarda fatos aprendidos.
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Chamada de HNK (sigla para hidroxinorketamina),essa molécula faz com que os neurônios possam de novo gravar um aprendizado,um processo que a ciência chama de consolidação da memória. A fixação da memória ocorre no hipocampo por meio de síntese de proteínas.
— Se não houver síntese de proteínas,uma pessoa esquece o que aprendeu em até duas horas — explica o neurocientista Sergio Ferreira,professor titular dos institutos de Biofísica e de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos autores do estudo,liderado pelo neurocientista Felipe Ribeiro,também da UFRJ.
É por isso que pessoas com Alzheimer por vezes até se recordam de fatos antigos,que já estavam consolidados e não foram destruídos,mas não daqueles ocorridos depois que adoeceram. As placas de beta-amilóide associadas à doença prejudicam a síntese de proteínas e a comunicação entre os neurônios.
Assim,o Alzheimer lhes rouba a capacidade de formar novas lembranças. Não é raro que uma pessoa afetada repita a mesma pergunta muitas vezes. A resposta nunca fica gravada e é como se a dúvida jamais houvesse sido respondida.
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— Se tiver êxito em seres humanos,e acreditamos que há motivos para otimismo para isso,uma droga a base da HNK poderia fazer com os pacientes não esquecessem mais coisas básicas,como o nome de parentes e amigos e o endereço da própria casa — diz Ferreira.
Ele ressalva,porém,que restituir a capacidade de memorizar não significa recuperar as lembranças perdidas. O que foi destruído pelo Alzhmeir teria que ser reaprendido.
Além da UFRJ,participaram do estudo cientistas das universidades McGill,no Canadá; Columbia e Carleton,ambas nos Estados Unidos. O trabalho foi publicado na revista Alzheimer’s & Dementia,uma das mais conceituadas da área.
A pesquisa foi realizada com animais,mas há bons motivos para acreditar que seus resultados poderão ser reproduzidos em seres humanos,afirma o neurocientista Mychael Lourenço,da Bioquímica Médica da UFRJ e também coautor do estudo.
Diferentemente da cetamina,a HNK não é um anestésico,nem causa dependência ou alucinações. Ela é produzida pelo próprio corpo ao metabolizar a cetamina e a ciência aprendeu a sintetizá-la.
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Lourenço destaca que a HNK age sobre os danos causados pelo Alzheimer e não em suas causas. Já os remédios disponíveis contra o Alzheimer,como recém-aprovado donanemabe,atuam sobre as placas de beta-amiloide associadas à doença e podem retardar em até cerca de 30% sua progressão. No entanto,a capacidade de aprender e guardar lembranças não é recuperada.
Além disso,essa classe de drogas só oferece resultados mais significativos quando a doença é diagnosticada em suas fases iniciais. Porém,quase sempre o diagnóstico acontece quando o paciente já está em estágio moderado.
— O Alzheimer começa silenciosamente. Talvez o cérebro de uma pessoa esteja acumulando beta-amiloide por 20 ou mais anos sem dar sinal — diz Lourenço.
Ele observa que os testes de diagnóstico que estão no mercado ainda estão longe da acurácia desejável e não foram estudados na população brasileira. Ferreira diz que existem testes experimentais que podem indicar com até 85% de acerto se uma pessoa desenvolverá a doença num período de cinco a dez anos,mas estes sequer estão aprovados para uso clínico em seus países de origem.
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Em animais,a HNK teve êxito em impedir danos à formação de memória mesmo em presença das placas de beta-amiloide.
— Restaurar as sinapses,a comunicação entre as células,pode ser melhor do que apenas bloquear as placas — diz Lourenço.
Ferreira acredita que não haverá uma droga única para tratar as pessoas com a doença de Alzheimer e sim coquetéis de remédios,a exemplo do que acontece com a Aids.
— É uma doença complexa,com várias causas e envolvida em diferentes mecanismos no cérebro. Penso que haverá tratamento. Mas ele não será baseado num só remédio — enfatiza Ferreira.
Os cientistas resolveram investigar a HNK porque trabalhos anteriores do mesmo grupo já haviam indicado que a síntese de proteínas nos neurônios era prejudicada na doença de Alzheimer. E eles sabiam que HNK estimulava a síntese de proteínas.
No estudo também descobriram que a HNK estimula a expressão de genes relacionados ao funcionamento das mitocôndrias (estruturas celulares afetadas pelo Alzheimer) e outros processos celulares importantes para as funções dos neurônios.
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— Pode ser que,além do efeito positivo na síntese de proteínas,a HNK seja também benéfica para outros processos biológicos nos neurônios — diz Ferreira.
Lourenço acrescenta que a HNK vem sendo testada no exterior em pessoas com depressão severa e foi mostrado que é segura. Oferece ainda a possibilidade de ter efeitos muito mais duradouros que os medicamentos existentes.
— Uma das coisas que torna a cetamina e seus derivados atraentes como tratamento é que fazem efeito rapidamente e ele perdura por muito tempo — explica Lourenço.
Ferreira diz que o maior obstáculo para que estudos avancem é a necessidade um laboratório farmacêutico se interessar em dar prosseguimento aos testes. E ele gostaria que esses testes fossem realizados no Brasil.
— Mas infelizmente no Brasil os testes avançados com pacientes são sempre de drogas estrangeiras,para que possam ser usadas no país. A pesquisa do Brasil dificilmente avança para a fase clínica,pois esbarra nos custos. Na melhor das hipóteses,acabamos exportando apenas ideias — ressalta Ferreira.