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Tony Ramos e Denise Fraga falam de peça que reúne os dois no palco e do ‘susto enorme’ da cirurgia a que o ator foi submetido

2024-08-23 HaiPress

“Não é questão de você saber viver. Tem que saber viver e ter a tal da resiliência”,diz Denise Fraga sobre a atualidade,enquanto Tony Ramos conta que seu modo de ver as coisas não mudou após duas cirurgias na cabeça em 48 horas: “Sempre encarei a vida com muita determinação”,diz ele — Foto: Leo Martins

RESUMO

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GERADO EM: 23/08/2024 - 03:31

Tony Ramos e Denise Fraga: Juntos nos Palcos em Peça Colaborativa

Tony Ramos e Denise Fraga retornam aos palcos em "O que só sabemos juntos",peça colaborativa com interação com a plateia. Ramos,após cirurgias,reflete sobre a vida e o teatro. Fraga destaca a importância da arte na compreensão humana. Peça promove diálogo e conexão,reforçando a relevância do coletivo e da reflexão em meio à velocidade da vida moderna. A obra surge como continuação de "Eu de você",explorando memórias e biografias compartilhadas.

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O Tony Ramos tal qual o Brasil conhece — de alguma maneira íntima que só a televisão proporciona —,o ator consagrado por papéis cravados no imaginário popular,o homem de doce trato,da fala sem pressa e paternalmente pausada numa dicção impecável,quis “correr perigo” quando viu Denise Fraga no teatro. Ela estava em cartaz com “Eu de você”,monólogo montado pela atriz e por seu marido,o diretor Luiz Villaça,em 2021,a partir de histórias anônimas coletadas pelo casal. Tocado pela sensibilidade daquele trabalho,Tony,que não fazia teatro havia 20 anos,se coçou para voltar aos palcos. Chamou os dois para jantar e,vinho vai,vinho vem,se convidou para integrar aquela trupe de dois que,não é de hoje,faz um teatro olho no olho.

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Nascia ali “O que só sabemos juntos”,que traz Tony e Denise em cena sob a direção de Villaça. A dramaturgia é coletiva,com colaborações de Vinicius Calderoni,José Maria (produtor) e Kenia Dias (diretora de movimento). Depois de uma temporada de sucesso em São Paulo,onde estreou em abril no Tuca,o espetáculo desembarcou na quinta-feira (22) no Teatro Casa Grande,no Leblon,Zona Sul do Rio,onde permanece até 8 de setembro. Antes de cada sessão,eles conversam com pessoas da plateia e incorporam alguns desses papos à dramaturgia. Em entrevista presencial na redação do GLOBO,Tony e Denise refletem sobre o casal que interpretam,as aflições pós-modernas que os permeiam,o próprio ofício no teatro e as cirurgias recentes às quais o ator foi submetido para drenar um hematoma subdural na cabeça.

A atriz Denise Fraga — Foto: Leo Martins

Tony,o que havia em “Eu de você” que o fez querer voltar ao teatro? E por que ficou tanto tempo longe?

Tony Ramos: Há uma coisa perturbadora,a boa perturbação. Aquela que te tira do conforto. Eu nunca fui um homem que me acomodei. Mas é como se essa peça me cutucasse no meu lugar mais querido: a liberdade. Com essa peça,parece que sou um molecão. Brinco muito,me divirto. E o público é o meu comandante. Me sinto em início de carreira,com 20 aninhos. Fiquei longe por compromissos com a TV,mas também porque os convites que chegaram não me seduziram. Não que fossem ruins,apenas não me falavam diretamente.

Denise Fraga: Me lembro dele olhando pra gente e falando “Posso brincar com vocês? Posso correr perigo com vocês?” Quando eu vejo esse homem que podia,sei lá,estar acomodado nessa grandiosidade,ele vira e fala que quer correr perigo. E a peça de alguma maneira fala desse homem que precisa se rever,que não sossegou e que entende o seu tempo.

Como é essa conversa com a plateia e como ela se incorpora à dramaturgia da peça?

DF: Essa coisa minha de receber o público na porta há muitos anos foi elevada a outra potência no “Eu de você”. Em “O que só sabemos juntos”,há uma dramaturgia,há esse casal,mas a gente joga a ficção na plateia e a plateia na ficção. Um convite a se colocar no lugar do outro mesmo,uma potência que o teatro tem. O jogo é tão direto,tão reto,tem que ser verdadeiro esse exercício de presença e de escuta. Vejo o quanto as pessoas estão necessitadas. É uma comunhão. O teatro é este exercício de alteridade.

TR: É uma comunhão mesmo. Uma coisa linda,rara. Como é que eu não vou ficar tocado com um negócio desse? E é uma redescoberta a cada espetáculo,porque nunca tem um espetáculo igual ao outro.

Numa peça preocupada com diversas questões,o tom é esperançoso?

DF: A vida está se movendo numa velocidade que não é questão de você saber viver. Você tem que saber viver e ter a tal da resiliência. Todo mundo está no meio dessa loucura e achando que estamos sozinhos,junto com um monte de gente que está se sentindo sozinho. E só sabemos de muita coisa juntos. Eu sou uma otimista,obstinada.

TR: Não há nenhuma bandeira,nenhum tom de discurso,o que seria chato pra dedéu,um saco. Mas há um texto que escorrega,que propõe. É tudo tão rápido hoje em dia. Cá pra nós,quando você propõe um silêncio interior,o silêncio da escuta,da reflexão,quando descobre isso,pensa: “Puxa,como eu estou bem!” Porque,senão,ela vive 36 horas em 24,depois fica cansada,com os olhos faiscando e dizendo para si mesma: “Pô,como é que foi meu dia hoje mesmo?” Quando o dia tem uma hora e meia de reflexão,a gente se sente mais feliz. Mas Denise é obstinada nesse otimismo e encontrou um otimista absolutamente incorrigível.

O ator Tony Ramos — Foto: Leo Martins

Tony,seu recente episódio de saúde e as duas cirurgias na cabeça,há apenas três meses,mudaram seu jeito de encarar a vida e o trabalho?

TR: O modo de ver a vida,não. Sempre encarei a vida com muita determinação,com muito respeito ao próximo. Mas é um susto enorme que você toma. Sofrer duas cirurgias em 48 horas,numa área tão sensível,é algo especial. Não me lembro de nada quando aconteceu (o ator passou mal em casa,no dia 16 de maio,e foi levado às pressas para o hospital). Quando acordei,o Dr. Paulo Niemeyer,que me operou,me perguntou como eu estava. Não perguntei: “Tem perigo? Como estou?” Mas fiz ali com ele um trecho da peça,um texto de Fernando Pessoa,e ele achou bonito. Faço exames de manutenção,tudo normal,minha rotina é a mesma,e não toco nesse assunto. Penteio o cabelo,tomo um banho e vida que segue.

Fazer teatro te deixa com vontade de fazer ainda mais teatro?

TR: Com certeza. E esse papel é simbólico. É meu 144º personagem. Estou falando de 144 personagens na minha vida em 60 anos de carreira. É óbvio que estou feliz,mas não é aquele feliz meramente romântico. É um feliz por uma missão que está sendo cumprida,e sem a pompa nessa “missão”,mas é uma missão poderosa que o teatro me fornece,né?

“O que só sabemos juntos” pode ser entendido como uma espécie de sequência de “Eu de você”?

DR: Não tenho como não encarar como uma sequência. Inclusive,muito louco porque,em “Eu de você”,a gente estava propondo vestir a fantasia do outro. Me vestir de você para te entender,né? Eu terminava a peça com esse texto do Walter Hugo Mãe que diz que a beleza só existe na nossa expectativa de reunião com o outro. É muito bonito como as duas peças são interligadas,mas elas também são muito diferentes. Agora estamos ali com aquela plateia tentando entender o que só sabemos juntos.

Vocês inseriram coisas autobiográficas na dramaturgia. Foi fácil acessar essas memórias?

DF: Com essa interação com o público,a gente vai descobrindo nossas biografias em comum. Assim como eu e Tony fomos descobrindo isso na sala de ensaio. Eu fui morar em São Paulo,ele veio morar no Rio. A mãe dele era professora,a avó dele foi muito importante na vida dele. A minha mãe também era professora,eu tive uma avó que foi a figura da minha vida.

TR: A primeira página do texto era em branco e isso foi bonito. Surgiram alguns improvisos nossos falando de nossas vidas pessoais. Ela é do Lins de Vasconcelos,subúrbio carioca,e eu de um bairro operário de São Paulo chamado Vila Maria,de onde eu me lembro até hoje das ruas sem calçamento. E assim começava o depoimento de uma primeira vida,aquela da infância,de nós dois,evoluindo para isso e para aquilo,até que o texto foi se formatando. Meu pai não participou da minha vida,se separou da minha mãe muito cedo,mas não tenho problema em revisitar isso. Não precisei de um divã. Serve de lição,para quem passou por algo parecido,que o mundo não acaba. Durante o espetáculo,a gente deixa escorregar com prazer,com alegria. Não teve bode em volta disso.

Qual é o papel do artista,e da arte de uma maneira geral,nesse desafio de pensar a importância do coletivo,de perceber a realidade de cada um,temas dessa peça?

DF: Acho que a arte te dá muita munição para viver,para ter condição de compreender a imperfeição humana. Uma pessoa que vai ao teatro,que vai ao cinema,que lê,fica municiada de maior compreensão. É tão bonito um momento na peça em que a gente pede para as pessoas fecharem os olhos para acessar uma memória. Eu fico muito impressionada como numa plateia enorme,num teatro de 700 lugares,ficam todos de olhos fechados. Há uma suspensão. Talvez o teatro ainda seja um lugar que proponha um mergulho mais profundo e por isso tenho a utopia de que ele vai ficar cada vez mais precioso.

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