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Equação da violência: das escolas municipais do Rio com piores notas no Ideb, 84% ficam em áreas conflagradas

2024-08-19 HaiPress

Na linha de tiro. Atrás de muro azul com pinturas lúdicas infantis,Escola Municipal Albino Souza Cruz tem marcas de tiros nas paredes: responsáveis por alunos relatam rotina de convívio com o medo — Foto: Guito Moreto/Agência O Globo

RESUMO

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GERADO EM: 19/08/2024 - 04:30

Violência impacta desempenho escolar no Rio: desafios e superações

Escolas municipais do Rio em áreas conflagradas têm baixo desempenho no Ideb devido à violência. Estudantes sofrem com tiroteios e impactos negativos no aprendizado. Por outro lado,há exemplos de superação em comunidades como a Maré e na Zona Oeste. Desafios incluem gestão,segurança e qualidade de ensino.

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As marcas de tiro nas paredes são as cicatrizes visíveis do drama de alunos e profissionais de educação da Escola Municipal Albino Souza Cruz,na Zona Norte do Rio. Localizada na Avenida dos Democráticos,nos fundos da Cidade da Polícia,a 20 passos de um acesso à favela de Manguinhos e a dez minutos a pé do Jacarezinho,não é raro que a unidade de ensino tenha a rotina subitamente alterada por confrontos entre bandidos ou operações policiais. Muito mais profundas do que os furos feitos à bala na fachada,as consequências desse convívio com a violência podem se revelar também no aprendizado das cerca de 430 crianças matriculadas ali.

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A escola foi uma das 44 da rede pública municipal carioca com nota 5 ou menos para os anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano),segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb),divulgado na semana passada para medir a qualidade do ensino no país. E neste grupo das unidades da prefeitura com pior desempenho,um levantamento feito pelo GLOBO mostra que 84% — ou 37 delas — ficam dentro de favelas conflagradas ou na vizinhança mais próxima dessas comunidades. Para especialistas,as ameaças que rondam essas salas de aula estão entre os fatores que explicam o mau resultado,bem abaixo da média do município (nota 6 nesse segmento,a melhor entre as capitais do Sudeste).

— Estamos na linha de tiro,o clima é de guerra. Além disso,usuários de crack queimam objetos em frente à escola. Minha filha quase foi acertada por pedaços de madeira que um deles jogou num ataque de fúria. Ela também já perdeu prova porque havia um tiroteio no caminho de casa até aqui — contou a mãe de uma aluna do 5º ano,moradora de Manguinhos. — Perto do colégio,já presenciei ainda disparos entre policiais e bandidos que roubam cargas na região.

Coautor de um estudo sobre como a violência reverbera no aprendizado em favelas,Rudi Rocha,professor de Administração da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP),destaca como o estresse provocado por tal realidade pode repercutir numa fase crucial para a formação dos estudantes:

— Nas turmas iniciais,o impacto pode ocorrer,principalmente,em matemática,cujo aprendizado exige uma proximidade maior com os professores,o que nem sempre é possível.

Entre as escolas municipais com piores resultados no Ideb estão,por exemplo,o Ciep Antônio Candeia Filho (nota 4,3),em Acari,historicamente alvo de furtos,e a Austregésilo de Athayde (nota 4,4),na Estrada do Taquaral,atingida pelos conflitos na Vila Aliança,na Zona Oeste da cidade. Há ainda unidades encravadas nas favelas Vila Cruzeiro (Complexo da Penha) e Nova Holanda (Maré),onde os tiroteios frequentemente suspendem as aulas.

Diretora do Redes da Maré,Andréia Martins ressalta que ocorre um efeito em cadeia.

— A negação do direito à segurança pública e a dinâmica do combate ao crime organizado pela polícia acaba trazendo a violação de outros direitos. Educação é um deles. Então,há escolas mais precarizadas. Há ainda a dificuldade de locomoção de professores para essas unidades,dias de aula perdidos e uma questão de adoecimento tanto dos professores quanto dos alunos — ressalta Andréia,que emenda: — Além dos transtornos provocados pela violência armada,tem a questão da qualidade do ensino,que é ruim.

Na Albino Souza Cruz,em Manguinhos,que teve apenas 4,9 no Ideb,a mãe de duas alunas,de 7 e 9 anos,relata ser comum encontrar um blindado da polícia,o caveirão,estacionado perto da escola. Os tiroteios,conta ela,quase sempre começam “do nada”.

— Nunca se sabe se são os traficantes disparando,a polícia ou criminosos roubando alguma coisa. Isso afeta a saúde mental e física das minhas filhas. A mais velha tem dificuldades de concentração e,toda vez que tem tiro,começa a tremer e chorar — contou a dona de casa na última sexta-feira.

Outra mãe completou:

— Os alunos ficam encurralados. Que criança vai conseguir aprender num cenário deste?

Somatório de problemas

Secretário municipal de Educação,Renan Ferreirinha destaca que essas escolas com piores resultados representam uma pequena parcela do universo de 1.557 unidades municipais de ensino do Rio,cujo resultado geral no Ideb foi de avanço.

— Claro que o maior problema é termos uma política de segurança ineficaz. Mas há questões de gestão e problemas pontuais,seja no asfalto ou em comunidades. Vamos analisar os casos — diz.

Nas escolas do Rio em áreas de risco,os mestres recebem adicionais ao salário. Oficialmente,esse valor extra é pago para escolas consideradas ‘‘de difícil acesso’’.

— Violência interfere,mas também há outros problemas. Cabe às coordenadorias da Secretaria de Educação identificar as causas. Outra forma de melhorar as avaliações é ampliar as escolas de turno único. Entre os benefícios,é uma forma de oferecer mais flexibilidade para aulas de reforço escolar — sugere Cláudia Costin,ex-secretária municipal de Educação do Rio e que também já foi consultora sobre a matéria junto ao Banco Mundial.

Exemplos onde a educação faz diferença

Perto da entrada do Parque União,no Complexo da Maré,uma frase se destaca na lateral de um viaduto da TransBrasil: “Muito tiro,pouca aula; pouca aula,mais bandido”. A região que compreende 17 comunidades tem 50 escolas públicas. E,só nos sete primeiros meses de 2024,segundo a Redes da Maré,teve 22 dias de unidades de ensino fechadas devido a confrontos armados. Os impactos no desempenho dos alunos se multiplicam. Mas,no conjunto de favelas da Zona Norte carioca,também há exemplos de que a mobilização de profissionais de educação e da sociedade pode contrariar o que a realidade da violência parece impor.

É bem verdade que,de 17 escolas públicas municipais da região que tiveram os anos iniciais do ensino fundamental avaliados no último Ideb,12 tiveram nota inferior a 6 — média da rede da prefeitura para esse segmento do 1º ao 5º ano. Outras cinco,no entanto,superaram esse índice. E,das 17,apenas cinco tiveram desempenho pior em 2023 do que em 2019 (a comparação com o Ideb de 2021 é prejudicada devido aos efeitos da pandemia).

Um dos destaques foi a Escola Municipal IV Centenário,com 6,6 no indicador mais recente,contra 6,2 em 2019. Na Rua Jerusalém,no limite entre a Baixa do Sapateiro e a Nova Holanda,fica próxima de uma espécie de fronteira entre duas facções do tráfico que ocupam a Maré. Porém,afirmam responsáveis por alunos,tem um histórico de persistência pelo aprendizado.

— A gente percebe que é feito um trabalho de formiguinha dos professores. Junta a dedicação deles com a dos alunos,e o resultado vem. As pessoas acham que não existe qualidade na favela. Mas há muitas crianças e muitos adolescentes brilhantes aqui na Maré esperando uma oportunidade. É uma comunidade escolar que resiste à violência,assim como nós moradores resistimos — afirma Ana Júlia Gonçalves,mãe de um aluno do 2° ano do fundamental.

Excelência na Zona Oeste

O Ideb 2023 jogou luz ainda sobre escolas que fazem a diferença em outras comunidades do Rio. No ranking das dez melhores da rede pública municipal para os anos iniciais do ensino fundamental,a terceira colocada é a Escola Municipal Haydea Vianna Fiúza de Castro,na Comunidade do Aço,em Santa Cruz,com nota 8. A quarta é a Ayrton Senna da Silva,na Vila Aliança,com nota 7,7. Ambas ficam na Zona Oeste,em comunidades com um histórico recente de confrontos entre grupos criminosos armados.

Diretora da Ayrton Senna da Silva,Vilma Maria Xavier diz que,para alcançar o resultado,é preciso driblar os desafios postos pelo que acontece do lado de fora da unidade.

— Este ano,a escola já precisou fechar mais de dez vezes por causa dos conflitos. A alternativa é optar por atividades virtuais,passadas por aplicativo. Exige ainda muito diálogo permanente com a comunidade e dedicação — diz Vilma.

Já para os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º anos),como mostrou O GLOBO na semana passada,a lista das dez melhores tem a Escola Municipal Ary Barroso (nota 6,6),em Brás de Pina,bairro afetado pelas disputas do crime na região conhecida como Complexo de Israel e em favelas como Quitungo e Tinta. Balanço positivo obtido também pela Escola Municipal Felix Mielli Venerando (nota 6,2),cercada por comunidades no bairro do Caju,na área portuária da cidade.

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